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Megaoperação contra Comando Vermelho no Rio: polícia confirma 121 mortos; moradores recolhem mais de 50 corpos

Órgão da ONU e organizações da sociedade civil criticaram letalidade da operação policial — a mais mortal dos últimos anos no Rio, segundo um levantamento. Após ação, STF dá sinais de retomada da 'ADPF das Favelas', enquanto governador fluminense modera críticas e se aproxima do governo federal.

Pelo menos 121 pessoas morreram e 113 foram presas na terça-feira (28/10), segundo os números oficiais, durante uma megaoperação das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro contra a facção Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense.

Desde a madrugada de quarta (29), moradores do Complexo da Penha levaram pelo menos 55 corpos para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, uma das principais da região.

Segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o balanço apresentado já inclui esses corpos.

Ainda de acordo com o órgão, quatro policiais estão entre os 121 mortos.

Todos os demais, 117 pessoas, seriam "narcoterroristas", segundo o delegado Felipe Curi, secretário da Polícia Civil do Rio.

"De vítimas ontem, só tivemos os policiais", afirmou o governador Cláudio Castro (PL) nesta quarta.

O delegado Felipe Curi afirmou que a Polícia Civil está instaurando inquérito para investigar moradores por fraude processual, pois, segundo ele, teriam tirado a roupa de alguns dos corpos que foram levados à Praça São Lucas.

"Eles [alvos da operação] estavam na mata, nós temos imagens deles todos paramentados, com roupas camufladas, com colete balístico, portando essas armas de guerra. Aí apareceram vários deles só de cuecas ou só de shorts, descalços, sem nada. Ou seja, é um milagre que se operou. Parece que eles entraram num portal e trocaram de roupa", afirmou Curi na entrevista coletiva.

"Temos imagens de pessoas que retiraram os corpos da mata e colocaram em via pública, tirando a roupa desses marginais."

Procuradoria cobra informações

Nesta quarta, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou que o Instituto Médico Legal (IML) envie em até 48 horas o resultado da perícia dos corpos, incluindo indícios da "trajetória de projéteis e distância dos disparos", diz a nota assinada pelo procurador Julio Araujo Junior.

A Procuradoria também enviou um pedido ao governador de diversas informações sobre a operação para "acompanhar o cumprimento das decisões vinculantes e dos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, no marco da proteção e promoção do direito à vida e à segurança pública, que constituem deveres inafastáveis do poder público".

O documento, assinado pelo subprocurador Nicolao Dino, dá um prazo de cinco dias para o governo responder.

Já o procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), reforçando pedido de informações solicitadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao governador.

O objetivo é verificar se foram cumpridas regras definidas pelo STF sobre a realização de operações policiais em comunidades fluminenses.

Como foi a operação, segundo o governo estadual

A operação policial dessa terça-feira foi a mais letal já registrada no país.

Movimentos de direitos humanos classificam a operação como uma chacina e questionam sua eficácia como política de segurança.

O grande número de vítimas também foi criticado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que se disse "horrorizado" com a operação nas favelas.

"Essa operação mortal amplia a tendência de consequências extremamente letais das operações policiais nas comunidades marginalizadas do Brasil. Lembramos as autoridades de suas obrigações sob as leis internacionais de direitos humanos e pedimos investigações ágeis e eficazes", disse o órgão na ONU na rede social X, na terça.

A operação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro para cumprir 180 mandados de busca e apreensão e 100 mandados de prisão em uma área de 9 milhões de metros quadrados.

AFP via Getty Images
Coletiva de imprensa realizada na manhã de terça-feira (28) pelo governo do Rio

A ação foi classificada pelo governador como "a maior operação das forças de segurança do Rio de Janeiro", e faz parte da Operação Contenção — uma iniciativa permanente do governo do Rio contra o Comando Vermelho.

"Essa operação teve início com o cumprimento de mandados judiciais e uma investigação de mais de um ano e planejamento feito há mais de 60 dias", afirmou o governador em uma entrevista coletiva na manhã de terça.

Participaram policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE), de batalhões da capital e da Região Metropolitana, além de equipes da CORE e de todas as delegacias especializadas da Polícia Civil.

Como consequência da ação policial, dezenas de escolas e universidades tiveram aulas suspensas na região metropolitana na terça e na quarta-feira.

Houve também relatos de impacto no transporte público e ruas desertas em diversos locais durante a noite de terça.

Segundo secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, 113 pessoas foram presas, 33 de outros estados, como Amazonas, Ceará, Pará e Pernambuco.

Entre os presos na ação, estão acusados de liderar o tráfico de drogas sob o Comando Vermelho, como Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão.

Ele teve a prisão anunciada por Castro durante coletiva na terça-feira.

Nicolas Fernandes Soares, identificado pelas autoridades como o operador financeiro de um dos líderes do tráfico, e Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, conhecido como BMW, apontado como responsável por um grupo encarregado de torturas, punições e execuções de moradores ou rivais, além de treinar novos integrantes no uso de fuzis e armamentos de guerra, também tiveram as prisões anunciadas.

Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca, era o principal alvo da Operação Contenção. Ele é principal líder do Comando Vermelho (CV) em liberdade — na hierarquia, ele está abaixo apenas de Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar, ambos presos em penitenciárias federais. Ele, no entanto, conseguiu escapar.

Os confrontos entre policiais e traficantes aconteceram majoritariamente em áreas de mata, segundo o governador, mas houve tentativas de criminosos de fechar vias da região, como a Avenida Brasil.

Na madrugada desta quarta, a Prefeitura do Rio de Janeiro informou que não havia mais vias obstruídas em decorrência de retaliações do Comando Vermelho (CV).

Criminosos teriam usado drones para lançar bombas e atacar policiais. Suspeitos também foram vistos fugindo em fila indiana da Vila Cruzeiro durante a operação.

Barricadas com veículos queimados foram montadas por criminosos em diversos locais da cidade em represália à operação policial, disseram as autoridades.

'ADPF das favelas'

Reuters
Veículos foram queimados em barricadas durante operação da polícia

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram na terça-feira explicações do governador do Rio de Janeiro sobre a operação policial, considerando, entre outros pontos, sua alta letalidade.

Os órgãos pediram que o governo de Cláudio Castro demonstre se não havia "meio menos gravoso" — ou seja, menos violento — de atingir seus objetivos na segurança pública.

"[...] Esta Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e a Defensoria Pública do União solicitam a Vossa Excelência que informe detalhadamente de que forma o direito à segurança pública foi promovido, indicando as finalidades da operação, os custos envolvidos e a comprovação da inexistência de outro meio menos gravoso de atingir a mesma finalidade", diz o ofício do MPF e da DPU.

O documento pede também que o governo fluminense demonstre ter seguido as deteminações do STF na ADPF 635, uma ação apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) questionando a letalidade policial em comunidades do Rio.

A ADPF (sigla para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) gerou um plano de redução da letalidade policial apresentado pelo governo do Rio ao STF, com regras e parâmetros de atuação. O plano foi aceito pelo Supremo em abril.

No ofício dessa terça, o MPF e a DPU pediram que o governo de Cláudio Castro esclareça e comprove que seguiu pontos previstos no plano, como o uso de câmeras corporais por policiais; a apresentação de uma justificativa formal para a operação; e a presença de ambulâncias nos locais afetados.

Em entrevista coletiva durante a tarde da terça-feira, Cláudio Castro chamou a ADPF de "maldita", afirmando que a ação do STF limitou a ação policial e favoreceu criminosos.

A ADPF, que ainda não terminou de ser julgada, passou nesta terça a ser relatada temporariamente pelo ministro Alexandre de Moraes — a função antes cabia a Luís Roberto Barroso, que acaba de se aposentar.

Ainda na terça, Moraes deu 24 horas para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre a operação no âmbito da ADPF.

O subprocurador-geral da República, Nicolao Dino, emitiu ofício exigindo do governador Cláudio Castro esclarecimentos de:

  1. Finalidade e objetivos institucionais que motivaram a operação e sua relação com a política estadual de segurança pública;
  2. Existência de planejamento prévio e de análise de risco, com definição do grau de força empregado e critérios de proporcionalidade;
  3. Medidas adotadas para prevenção e mitigação da letalidade policial, inclusive quanto à presença de ambulâncias, equipes médicas e protocolos de socorro;
  4. Atuação da polícia técnico-científica, com preservação do local e realização de perícia independente antes da remoção de cadáveres;
  5. Utilização de câmeras corporais e de viaturas, bem como eventual indisponibilidade técnica ou operacional;
  6. Comunicação e acompanhamento pelo Ministério Público e pelas Corregedorias das Polícias Civil e Militar;
  7. Observância das diretrizes constitucionais relativas à busca domiciliar e às restrições de horário, especialmente em relação à proximidade de unidades escolares;
  8. Justificativa para eventual utilização de escolas, unidades de saúde ou outros equipamentos públicos como base operacional das forças policiais;
  9. Avaliação de resultados e indicadores empregados para aferir o êxito da operação e sua compatibilidade com as metas de redução da letalidade policial fixadas pelo STF e pela Corte Interamericana.

STF também cobra explicações

Na tarde da quarta-feira, o STF também determinou que o governo do Rio preste esclarecimentos sobre a operação.

A decisão foi tomada pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito da ADPF 635, após pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e parecer favorável da PGR.

Segundo o Supremo, "as informações requisitadas devem abranger relatório circunstanciado sobre a operação, com prévia definição do grau de força empregado e justificativa formal para sua realização; o número de agentes envolvidos e os armamentos utilizados; e o número oficial de mortos, feridos e pessoas detidas".

"O governo estadual também deverá informar se adotou medidas para garantir a responsabilização em caso de eventuais abusos e violações de direitos, incluindo a atuação dos órgãos periciais e o uso de câmeras corporais, além de assistência às vítimas e suas famílias, como a presença de ambulâncias."

Castro e Lewandowski anunciam Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado

Após críticas de Castro a uma suposta ausência do governo federal no combate ao crime no Rio, o governador e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reuniram-se na capital fluminense, anunciando na noite de quarta uma cooperação.

Entre as iniciativas conjuntas previstas, está a criação de um Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado, a ser coordenado pelos secretários estadual e nacional de segurança pública.

Castro e Lewandowski afirmaram que haverá maior cooperação entre forças federais e estaduais, incluindo em ações de inteligência.

Na noite de quarta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez publicamente sobre a situação do Rio.

Na rede social X, ele disse ter ordenado ao ministro da Justiça e ao diretor-geral da Polícia Federal que fossem ao Rio para encontrar o governador fluminense.

"Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades. Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco", disse o presidente, exaltando uma operação de agosto contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), sem mencionar esta organização criminosa diretamente.

"Com a aprovação da PEC da Segurança, que encaminhamos ao Congresso Nacional, vamos garantir que as diferentes forças policiais atuem de maneira conjunta no enfrentamento às facções criminosas."

Na terça-feira, o governador do Rio de Janeiro havia criticado o governo federal — e depois suavizou sua posição.

"As nossas polícias estão sozinhas... Infelizmente, mais uma vez, não temos auxílio nem de blindados nem de agentes das forças federais, de segurança ou de defesa. É o Rio de Janeiro completamente sozinho", havia dito Castro.

Mais tarde na terça, o governador fluminense disse que foi mal interpretado sobre sua fala sobre o Rio estar sozinho e ponderou que estava apenas respondendo à pergunta de um jornalista sobre se o governo federal estava participando da operação.

No mesmo dia, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, havia dito que o governo federal nunca havia negado apoio ao Rio.

"Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro para esta operação, nem ontem, nem hoje, absolutamente nada...Nenhum pedido do governador Cláudio Castro até agora foi negado", destacou.

Lewandowski pontuou que o governo federal tem ajudado o Rio de diversas formas, incluindo o fornecimento de armas e equipamentos e a recente transferência de líderes de facções para penitenciárias de segurança máxima.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que tem atendido a todos os pedidos do governo do Estado do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional no Estado, em apoio aos órgãos de segurança pública federal e estadual.

"Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP [Força Nacional de Segurança Pública] no território fluminense. Todas acatadas", destacou.

O orgão ainda disse que mantém atuação no Estado do Rio de Janeiro desde outubro de 2023, por meio da FNSP. A operação segue vigente até 16 de dezembro de 2025 e pode ser renovada.

'Operação foi um sucesso', diz governador

Após os desentendimentos com o governo federal na terça, Cláudio Castro disse, em uma entrevista coletiva na manhã de quarta, ter "humildade de reconhecer que essa guerra não será vencida sozinha".

"Queria deixar um recado muito claro: governador deste estado e nenhum secretário vai ficar respondendo nem ministro, nem autoridade, nem ninguém que queria transformar esse momento numa batalha política", disse o governador do Rio.

"Todo aquele que queira vir para cá no intuito de somar, é bem-vindo. Os outros, que querem fazer confusão, que querem fazer politicagem, suma. Ou soma, ou suma."

O governador classificou a operação como um "sucesso" e "um duro golpe na criminalidade".

Castro também afirmou que a capital fluminense voltou à normalidade nesta quarta.

"Falei com o prefeito da cidade e, graças às nossas ações, em conjunto, a vida da cidade vai tornando à normalidade. A gente espera que no dia de amanhã, escolas, faculdades e empresas, que ainda não voltaram a funcionar, voltem a funcionar."

Operação mais letal do Rio de Janeiro

ANTONIO LACERDA/EPA/Shutterstock
Cerca de 2.500 policiais participaram da operação de terça-feira

Segundo o grupo de pesquisa Geni/UFF, as três operações policiais mais letais documentadas ocorreram durante a gestão de Castro – além da atual, as outras duas foram a do Jacarezinho em maio de 2021, quando 27 civis e um policial morreram; e a da Penha em maio de 2022, quando 23 civis morreram.

De janeiro de 2007 a outubro de 2025, o Geni/UFF registrou 707 ações policiais com mortes na região metropolitana, que tiraram a vida de 2.905 civis e 31 policiais.

"Esses dados nos permitem constatar que as chacinas policiais são a regra e não a exceção no estado do Rio de Janeiro", dizem os pesquisadores da UFF.

"Reiteramos que esta política de segurança pública centrada em operações policiais em favelas, além de implicar em altíssimos custos para a sociedade, há décadas vem se demonstrando ineficiente no controle do crime, incapaz de proporcionar a redução das ocorrências criminais e conter o avanço do controle territorial armado. A recorrência de incursões policiais armadas com tiroteios em territórios densamente povoados revela o descaso do Estado com a preservação de vidas negras e faveladas."

Para a coordenadora de Comunicação da ONG Movimentos, Isabelly Damasceno, não é possível considerar que a ação da polícia tenha sido bem-sucedida.

"Infelizmente, as operações policiais violentas no Rio de Janeiro não são uma novidade para nós, que vivemos na periferia, mas não podemos naturalizar uma operação que matou mais de 60 pessoas. Essa estratégia do governo não pode ser vista como política de segurança, é uma política de extermínio. Uma operação que precisa matar 60 pessoas não é uma ação inteligente e nem efetiva", destacou.

"A narrativa do governo faz acreditar que essa é uma ação de inteligência, bem-sucedida, porque vão divulgar o número de fuzis apreendidos, os mais de 80 presos. Mas é preciso questionar se uma operação que foi planejada há 60 dias contava em assassinar 60 pessoas. Será que não temos uma falha?."

Para Damasceno, é importante considerar os impactos da operação na vida da população, que teve acessos restritos nesta terça-feira e "acordou em meio a tiroteios".

"É uma desumanização total das pessoas que vivem nas periferias, que estão sendo impedidas de ir à escola, de andar em segurança, de voltar para suas casas. Como ficam os trabalhadores? Estamos falando de uma série de violações de direitos. Essa política proibicionista de drogas é cada vez mais violenta e menos efetiva."

Em nota conjunta, um grupo de 27 organizações de direitos humanos, entre elas a Justiça Global, repudiaram a operação desta terça.

O texto qualifica a ação de "chacina" e diz que o episódio "inscreve-se em um longo e trágico histórico de matanças cometidas por forças policiais no Estado — apresentadas, equivocadamente, como política pública".

"Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de 'guerra' ou 'resistência à criminalidade'. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação", prossegue o texto.

"Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública."

A organização Human Rights Watch criticou a atuação das forças de segurança do Rio.

Em nota, o coordenador da entidade no Brasil, César Muñoz, afirmou que "uma operação policial que resulta na morte de mais de 60 moradores e policiais é uma enorme tragédia".

"O Ministério Público deve instaurar investigações próprias e elucidar as circunstâncias de cada morte. Também deve apurar o planejamento e as decisões do comando da polícia e das autoridades do Rio que levaram a uma operação que foi um desastre", continuou.

"A sucessão de operações letais que não resultam em maior segurança para a população, mas que na verdade causam insegurança, revela o fracasso das políticas do Rio de Janeiro. O Rio precisa de uma nova política de segurança pública, que pare de estimular confrontos que vitimizam moradores e policiais."

Comando Vermelho

Reuters
Mais de 80 pessoas foram presas durante operação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro

O Comando Vermelho (CV) é a maior facção do Rio de Janeiro e, junto com o Primeiro Comando da Capital (PCC), está entre uma das maiores facções do país.

A facção surgiu dentro do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, por integrantes da antiga Falange Vermelha que, na década de 70, lutavam pelo fim da tortura e por melhores condições.

O CV surgiu sob o lema "Paz, Justiça e Liberdade", mas com o tempo se transformou em uma organização de crime organizado com foco no tráfico de drogas.

Na virada dos anos 70 para os anos 80, com o Brasil entrando na rota internacional da cocaína, o Comando Vermelho aproveitou o contexto para expandir seu poder.

Atualmente, embora continue fortemente atuante no Rio e nas prisões cariocas, a facção se expandiu nacionalmente e tem ramificações em diversos estados e até mesmo no exterior.

Segundo levantamento recente, o CV estaria presente nos 26 Estados do Brasil.

No Rio de Janeiro, não há uma liderança principal. Cada um dos líderes comanda uma área específica.

Diferentemente do PCC, o CV não atua de maneira centralizada fora do Rio: suas unidades em outros Estados agem como franquias, sem precisar se submeter às ordens vindas do Rio.

Reportagem publicada pelo O Globo em 2024 mostrou que, nos últimos anos, o Comando Vermelho tomou controle ou influência em dezenas de localidades no Rio de Janeiro que até 2017 não tinham registros de domínio criminoso organizado.

Um levantamento do jornal identificou 89 localidades em 23 km² de expansão — equivalente a três vezes o tamanho de Copacabana.

Essa ofensiva não visa apenas o tráfico de drogas.

A facção exerce uma espécie de "governança paralela" com controle territorial, imposição de regras e até apropriação de funções sociais e econômicas como o controle de serviços de internet, TV, gás, transporte alternativo — práticas que antes eram características das milícias.

*Colaborou Marina Rossi

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