Por Lourenço Flores
O abrangente acerto comercial entre os países do Mercosul e da União Europeia (UE) começou a ser sonhado há 26 anos. Depois de 25 anos de tensas, arrastadas e complexas negociações, em dezembro do ano passado os dois blocos anunciaram: temos um acordo. O comunicado foi recebido com tanta esperança quanto dúvidas nos dois lados das tratativas. Chegara a hora de colocar os termos na mesa para ratificação pelos dois blocos. Na quarta-feira passada (5/11), quase um ano depois do anúncio, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da União Europeia, Ursula Von der Leyen, encontraram-se em Belém, onde estavam para a reunião de líderes da COP30. Otimistas, ambos disseram acreditar que o tratado de livre-comércio possa ser assinado formalmente em 20 de dezembro, no Rio de Janeiro — onde, em 1999, começou todo o processo de negociação.
Ontem, contudo, a ministra francesa da Agricultura, Annie Genevard, estragou o clima: "Queremos apoiar nossos agricultores e, por isso, a França não assinará um acordo que, a longo prazo, os condenaria", declarou a ministra ao jornal francês JDD. A postura da política francesa não chega a ser surpreendente, porque a França tem sido sempre, durante esse quarto de século de negociações, um dos maiores obstáculos para que o acordo saia. Mas o momento dessa declaração é especialmente delicado: às vésperas do que se espera ser a conclusão desse longo processo. O acordo chegou a um claro momento "ou vai ou racha".
Para assinar o acordo, a ministra exige uma nova cláusula de salvaguarda agrícola, que contenha medidas para impedir a importação para a Europa de produtos agrícolas que não cumpram as normas sanitárias e ambientais europeias, além de um reforço dos controles sanitários. Na prática, é uma tentativa de convencer o setor agrícola francês, extremamente organizado e disposto a tudo na briga para não perder espaço, de que não haverá uma substituição da produção europeia por inundação de produtos sul-americanos baratos.
Para que ele passe a valer, é preciso que seja aprovado pelos 27 Estados-membros da UE e pelos integrantes do Mercosul. A resistência francesa, portanto, ameaça fortemente o acordo.
E Macron?
As declarações da ministra foram dadas dias após o presidente francês, Emmanuel Macron, no Brasil, afirmar na quinta-feira (6/11) que vê "perspectivas positivas" para a assinatura do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul em dezembro. Macron indicou estar inclinado a defender a entrada em vigor do acordo, embora tenha afirmado que permanecerá "vigilante".
Muito fragilizado internamente, contudo, Macron sabe que não pode brigar de forma escancarada com o poderoso lobby agrícola, especialmente neste momento. O posicionamento da auxiliar, portanto, parece servir para manter o presidente francês com um pé em cada canoa, enquanto tentam convencer o agronegócio europeu das vantagens de um tratado entre os dois blocos. Especialmente em um momento no qual o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, claramente opta pelo protecionismo na maior economia do planeta e renega o multilateralismo.
Em 3 de setembro de 2025, o acordo Mercosul-UE foi adotado pela Comissão Europeia. Agora falta a ratificação pelos países-membros e análise do Parlamento Europeu.
Mais resistência
Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que não será fácil vencer a resistência europeia. O acordo também precisa ser aprovado pelo Parlamento europeu para que possa entrar em vigor. É justamente nesta Casa que o tratado sofre resistência de eurodeputadas ligadas à esquerda, como a francesa Majdouline Sba e a belga Saskia Bricmont.
Como representantes de seus países no Legislativo da UE, elas lideraram, na semana passada, um grupo de deputados para contestar o tratado comercial entre os blocos junto ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a Suprema Corte do bloco europeu.
A contestação das eurodeputadas é tanto a aspectos burocráticos do trâmite do tratado no parlamento europeu como a mecanismos que, de acordo com elas, flexibilizariam regras de sustentabilidade aos países do Mercosul em detrimento das nações europeias. Isso, de acordo com manifestações de eurodeputadas, geraria uma concorrência desleal com produtores rurais do Velho Continente.
