Moradora de Paris, a libanesa Zeina Khalaf, 48 anos, visitava o pai — acometido de trauma desde a última guerra — no bairro de Haret Hreik, na região sul de Beirute. "Por volta das 15h deste domingo (10h no horário de Brasília), nós estávamos saindo da casa dele, quando escutei uma explosão, a cerca de 400m dali. Começamos a escutar sirenes. Foi o caos. As pessoas, em pânico, checavam umas às outras", contou ao Correio. "Os drones continuam sobrevoando nossas cabeças. É é terrível e frustrante continuar vivendo com medo." No primeiro ataque a Beirute em meses, as Forças de Defesa de Israel (IDF, pela sigla em inglês) bombardearam um edifício residencial e mataram Haitham Ali Tabatabai, chefe do Estado-Maior do movimento xiita Hezbollah. Além de Ali Tabatabai, quatro pessoas morreram e 28 ficaram feridas.
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No bairro de Dahiyeh, o jornalista libanês Hadi Hoteit, 33 anos, pôde contar o barulho de três explosões. "Todos os prédios ao lado do edifício atingido sacudiram. Os israelenses dispararam oito mísseis, mas dois deles não explodiram e foram encontrados, intactos, dentro do prédio", relatou à reportagem. "Nós esperávamos por um ataque, porque, nas últimas quatro semanas, Israel tem vasculhado o céu com drones assassinos. Isso é algo muito incomum. Eles têm feito isso noite e dia", comentou. Ele lembrou que as autoridades israelenses sinalizavam com uma nova escalada contra o Líbano. "As pessoas, por aqui, antecipavam que alguma coisa aconteceria. Foi um ataque surpresa. É triste saber que Israel alvejou um dos comandantes mais importantes do Hezbollah. O martírio de um homem não terá o mesmo peso do que teve a morte do xeque Hassan Nasrallah (líder máximo do Hezbollah), por causa de uma estrutura menos centralizada do grupo."
Mahmud Qomati, comandante do Hezbollah e sucessor de Nasrallah, visitou o bairro de Haret Hreik e, em frente ao prédio atingido, advertiu que Israel "cruzou uma nova linha vermelha". Apesar do ataque, as IDF garantiram que seguem "comprometidas" com o cessar-fogo. Em pronunciamento por meio de vídeo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, confirmou a operação em Beirute. "Há algumas horas, as Forças de Defesa de Israel eliminaram Ali Tabatabai, chefe de gabinete da organização terrorista Hezbollah. Tabatabai é um assassino em série. Suas mãos estão manchadas com o sangue de muitos israelenses e americanos, e não é sem razão que os Estados Unidos ofereceram uma recompensa de US$ 5 milhões por sua captura", afirmou o premiê.
Segundo Netanyahu, o vice-líder do Hamas era comandante sênior da Radwan. "É a força que se preparou para conquistar a Galileia e massacrar muitos de nossos cidadãos. (...) Minha política é absolutamente clara: sob a minha liderança, o Estado de Israel não permitirá que o Hezbollah recupere seu poder, e não permitiremos que ele volte a representar uma ameaça. Espero que o governo libanês cumpra seu compromisso de desarmar o Hezbollah", acrescentou.
Por telefone, Nicholas Blanford — especialista em Hezbollah pelo instituto de pesquisas Atlantic Council baseado em Beirute — explicou ao Correio que a morte de Tabatabai insere-se em uma escalada israelense. "Israel tem falado sobre uma retomada da guerra, por parte do Hezbollah. O movimento xiita ainda estava aderindo a uma política de paciência estratégica. Precisamos ver se isso continuará, apesar do assassinato de Tabatabai", afirmou. Ele não descarta que a ofensiva contra Beirute possa empurrar o Irã para uma guerra. "Israel detém o equilíbrio de poder neste momento, mas os iranianos estão prontos para uma nova rodada de tensão com os israelenses. A questão é se o Hezbollah retaliará a partir do Líbano ou de seu aliado Irã", disse Blanford.
EU ACHO...
"Haitham Ali Tabatabai era uma das principais figuras do Hezbollah. O grupo costuma divulgar um obituário de seus líderes. O nome de Ali Tabatabai consta como sancionado pelos Estados Unidos. Ele teve envolvimento com ações no Iraque, depois da invasão americana, em 2003. Foi nomeado chefe da ala militar do Hezbollah, em setembro do ano passado. A operação em Beirute mostra que os israelenses ainda são capazes de caçar e matar os comandantes sêniores do Hezbollah."
Nicholas Blanford, especialista em Hezbollah pelo instituto de pesquisas Atlantic Council (em Beirute)
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
Discreto e experiente
Haytham Ali Tabatabai, também conhecido como Abu Ali Tabatabai, nasceu em 1968, filho de mãe libanesa e pai iraniano. Considerado figura central para as capacidades de defesa do Hezbollah, aliava discrição e experiência de combate. Ele ajudou a fundar a unidade de elite Radwan e era próximo a Imad Moughniyeh, o estrategista militar do Hezbollah assasinado por Israel em Damasco, 17 anos atrás. Além de atuar no planejamento de contingência para a área fronteiriça entre Líbano e Israel, Ali Tabatabai mantinha coordenação com grupos aliados no Iêmen, no Iraque e na Síria, na formação de uma frente anti-Israel. Em 2016, os Estados Unidos impuseram sanções contra ele e anunciaram uma recompensa de US$ 5 milhões por sua captura.
Golpes sucessivos
Os pagers letais
A Operação Grim Beeper ("Bipador Sombrio"), lançada por Israel, explodiu, ao mesmo tempo, milhares de pagers usados por combatentes do Hezbollah, em 17 de setembro de 2024. No dia seguinte, os alvos foram os walkie-talkies utilizados pela milícia. O duplo ataque deixou pelo menos 37 mortos e mais de 3 mil feridos — muitos deles perderam a visão. Um dos mais ousados ataques tecnológicos foi obra do serviço de segurança Shin Bet e do Mossad, o serviço secreto.
A morte do líder
O clérigo xiita Hassan Nasrallah, um dos fundadores e secretário-geral do Hezbollah, foi assassinado por Israel durante um bombardeio ao quartel-general da milícia, em Dahiyeh, bairro na região sul de Beirute e bastião do grupo. Durante o ataque, em 28 de setembro de 2024, outras 33 pessoas morreram e 195 ficaram feridas.
Outros assassinatos
Em 20 de setembro de 2004, um ataque aéreo de Israel matou Ibrahim Aqil, comandante de operações do Hezbollah. Oito dias depois, Nabil Kaouk, vice-chefe do Conselho Central do movimentio xiita, foi morto em um bombardeio israelense. Outro ataque matou Mohammed Srur, chefe da unidade de drones do Hezbollah.
