SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Moraes decreta prisão de Ramagem após fuga para o exterior; o que se sabe

Deputado federal e ex-diretor da Abin saiu do Brasil em setembro e se encontra nos EUA

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou a prisão preventiva do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), condenado a 16 anos de prisão por golpe de Estado na mesma ação penal que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O parlamentar deixou o Brasil em setembro, no mês em que a ação foi julgada pela Primeira Turma do STF. Ele não voltou desde então.

Atualmente, Ramagem está nos Estados Unidos, em Miami, conforme mostrou reportagem do Platô BR.

Segundo informações do G1, Ramagem teria viajado de avião para Boa Vista (RR), de onde partiu de carro, em uma viagem clandestina em direção à fronteira, e seguiu para outro país. Ele estava proibido de deixar o Brasil pelo STF.

O deputado apresentou atestado de 30 dias para tratamento de saúde à Câmara em setembro, e a renovou em 13 de outubro. A licença médica vale até 12 de dezembro. Contudo, ele participou de votações de forma remota.

A Câmara dos Deputados informou que não foi comunicada sobre a saída do parlamentar do Brasil. A Casa não permite exercício de mandato a partir de outro país.

Nesta segunda-feira (25/11), após declarar trânsito em julgado no processo que condenou oito réus pela trama golpista, Moraes tornou a condenação de Ramagem definitiva e determinou que a Câmara casse o mandado do parlamentar.

O ministro também determinou a prisão dos demais condenados, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro já estava preso preventivamente em uma sala de Estado da Polícia Federal, conforme determinação de Moraes no sábado (22/10). Ele permanecerá no local para cumprir a pena.

A prisão preventiva do ex-presidente foi decretada a pedido da PF, que apontou risco concreto de fuga. Segundo a decisão, esse risco foi identificado após o senador Flávio Bolsonaro convocar uma "vigília" em apoio ao pai nas proximidades da residência onde o ex-presidente cumpria prisão domiciliar.

Além disso, ainda segundo a decisão, o sistema de monitoramento registrou, na madrugada deste sábado, uma ocorrência de violação da tornozeleira eletrônica usada por Bolsonaro, o que reforçou o entendimento de que havia risco iminente de evasão.

Na decisão, Moraes citou ainda que Ramagem foi para Miami para evitar a prisão.

O que acontece a partir de agora?

Especialistas ouvidos pela BBC afirmam que o fato de Ramagem estar fora do país pode dificultar o cumprimento do mandado de prisão, porque o Brasil passa a depender de cooperação jurídica internacional — nesse caso, dos Estados Unidos.

Uma vez que o mandado é expedido, os EUA são notificados, via Ministério das Relações Exteriores, para realizar a prisão e, posteriormente, a extradição.

Além disso, caso Ramagem saia dos EUA, a Interpol pode ser acionada e ele passa a fazer parte da lista de Difusão Vermelha — um mecanismo que permite o compartilhamento de informações sobre pessoas com mandados de prisão expedidos — para que possa ser preso em qualquer um dos 196 países.

O cumprimento de mandado de prisão, contudo, pode levar meses, segundo o professor de Direito Processual da Universidade Mackenzie, André Boiani e Azevedo.

"Não é feita uma execução automática da ordem de prisão brasileira. Os pedidos passam por uma avaliação dos EUA, que vão verificar se há fundamentação no mandado, se há crime correspondente no país e se todos os requisitos do tratado entre os dois países estão preenchidos", explica.

Para Boiani, haveria fundamentos para a realização de prisão preventiva, uma vez que parece ter sido demonstrado que Ramagem agiu para fugir da aplicação da lei.

"Ele tinha uma cautelar que o proibia de viajar e mesmo assim ele viajou. Ele descumpriu uma determinação e isso demonstra o risco dele não estar presente para cumprir a pena".

O advogado criminalista Cássio Rebouças avalia da mesma forma. Segundo ele, tendo indicativos de que Ramagem não estaria no Brasil para cumprir pena quando o processo estivesse em trânsito julgado, a prisão preventiva poderia ser realizada.

Contudo, isso pode não ser tão simples em relação aos EUA.

"Tem uma questão política nesse caso, que pode dificultar ainda mais. Trata-se de um réu condenado em um processo que foi criticado pelos EUA", pontuou.

O julgamento que condenou Bolsonaro e Ramagem foi classificado como "caça às bruxas" tanto pelo presidente Donald Trump quanto por membros de seu governo, como o secretário de Estado americano, Marco Rubio.

Eles acusaram Alexandre de Moraes de promover perseguição contra o ex-presidente e seus aliados, o que levou o país a sancionar o ministro e familiares com revogação de visto e Lei Magnitsky.

Condenação no STF

Ramagem foi um dos oito réus condenados em setembro pela Primeira Turma do STF pelos crimes de: organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

De acordo com a PGR, ele teria usado a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da qual era diretor, em favor dos planos golpistas — comandando uma "Abin paralela" que monitoraria adversários e críticos do governo Bolsonaro, além de produzir informações falsas e ataques virtuais.

Além disso, Ramagem teria fornecido a Jair Bolsonaro material para apoiar o ataque às urnas eletrônicas e a intervenção das Forças Armadas.

O parlamentar foi o único réu no julgamento que foi acusado e condenado por três crimes, e não cinco.

Por ser deputado federal (PL-RJ), ele não respondeu às acusações de dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, ambas ligadas aos ataques de 8 de janeiro.

Isso porque a Primeira Turma do STF decidiu suspendê-las por conta de sua imunidade parlamentar durante o mandato — já que, segundo a acusação, esses crimes teriam acontecido após Ramagem assumir o cargo.

Em suas alegações finais no julgamento, a defesa do deputado pediu sua absolvição.

"Alexandre Ramagem não pode ser responsabilizado por cada ato praticado no âmbito da Abin durante sua gestão, com base no simples fato de que era o diretor-geral do órgão, salvo se se admitisse eventual responsabilização por culpa", afirmou a defesa.

A trajetória de Alexandre Ramagem

Alexandre Ramagem foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro.

Antes de entrar na política, era delegado da Polícia Federal. Na PF, foi responsável pelas divisões de Administração de Recursos Humanos (2013 e 2014) e de Estudos, Legislações e Pareceres (2016 e 2017).

Também fez parte da equipe de investigação da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro em 2017.

Ramagem ficou mais próximo de Bolsonaro quando foi designado para chefiar equipe de segurança do ex-presidente, na época candidato à presidência, após ele ser vítima de uma facada durante a campanha eleitoral de 2018.

Com a posse de Bolsonaro, Ramagem foi chamado para o governo, tendo primeiro atuado como assessor especial da Secretaria de Governo, quando a pasta era comandada pelo general Carlos Alberto Santos Cruz.

Em junho de 2019, deixou essa função para assumir a Abin.

Em abril de 2020, Bolsonaro tentou nomear Ramagem como diretor da Polícia Federal, mas a medida foi barrada pelo STF, em decisão de Moraes.

O ministro do STF acatou pedido do PDT, que argumentou que a amizade entre Bolsonaro e Ramagem comprometiam "os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público", necessários para nomear o diretor da PF.

Na época, circulou uma foto de Ramagem ao lado dos filhos do presidente em uma festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019.

Em 2022, o diretor da Abin deixou o cargo para se candidatar a deputado federal pelo Rio de Janeiro, sendo eleito com 59 170 votos.

Em 2024, ele concorreu à Prefeitura do Rio de Janeiro, mas não teve sucesso nas urnas.

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