O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o encerramento do processo que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses por golpe de Estado.
Com isso, Bolsonaro começará a cumprir sua pena na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, onde já estava preso preventivamente desde sábado (22/11).
A defesa do ex-presidente afirmou que a conclusão da ação — com o chamado trânsito em julgado, quando a possibilidade de recursos se esgota — é "surpreendente", por entender que ainda pode apresentar um recurso chamado de embargos infringentes.
O entendimento atual da Corte é que esse recurso só é cabível quando há ao menos dois votos absolvendo os réus — e, no caso de Bolsonaro, apenas o ministro Luiz Fux ficou contra sua condenação, no julgamento realizado na Primeira Turma do STF.
"Sendo incabível qualquer outro recurso, inclusive os embargos infringentes, a Secretária Judiciária desta Suprema Corte certificou o trânsito em julgado do Acórdão condenatório em relação ao réu Jair Messias Bolsonaro", decidiu Moraes.
Os advogados de Bolsonaro argumentaram em nota que o regimento do STF "determina que podem ser opostos embargos infringentes da decisão não unânime da Turma, sem qualquer condicionante".
Por isso, a defesa indicou que apresentará o "recurso que entende cabível" dentro do prazo estabelecido pelo regimento.
"Cabe lembrar que por ocasião do julgamento do ex-Presidente Fernado Collor (AP 1025) e também do caso Debora Rodrigues dos Santos (AP 2508), só se certificou o trânsito em julgado, após o ajuizamento dos embargos infringentes, sendo surpreendente para a defesa a certidão de trânsito em julgado, com a inadmissibilidade de um recurso ainda não proposto", diz nota assinada pelos advogados Celso Vilardi, Paulo Amador da Cunha Bueno e Daniel Tesser.
O prazo para a defesa apresentar outro tipo de recurso, os embargos de declaração, acabou nesta segunda-feira (24/11) às 23h59.
Além de Bolsonaro, os advogados do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) não apresentaram novos recursos.
O parlamentar deixou o Brasil em setembro, no mês em que a ação foi julgada pela Primeira Turma do STF. Ele estava proibido de deixar o Brasil pelo STF e está com prisão preventiva decretada.
Os primeiros recursos apresentados pela defesa de Bolsonaro foram rejeitados por unanimidade no Supremo.
O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, considerou que o recurso não buscou sanar problemas do julgamento, mas sim, contestar o mérito da condenação, e os demais ministros votaram com ele.
Ainda assim, a defesa do ex-presidente ainda poderia questionar pontos da decisão. Ao rejeitar os embargos, foi aberto novo prazo para a defesa recorrer novamente, que não apresentou os novos recursos.
Para Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a decisão de Moraes é questionável.
"Há um debate muito sério a respeito de quando se realmente transita um julgado. Ou se houve uma precipitação por parte de Alexandre de Moraes em certificar o trânsito julgado, porque o prazo dos embargos infringentes previsto no regimento do Supremo é de 15 dias."
Para ela, ainda deve haver recurso pela defesa.
"Porque o precedente que eles usam, do caso do [ex-governador de SP Paulo] Maluf, de que não cabem embargos infringentes quando tem apenas um voto e não dois na turma, não é bem um precedente. É uma orientação jurisprudencial vigente até agora, mas que pode mudar de questão. Então, tudo muito incipiente", acrescenta.
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Na segunda-feira, os ministros Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin votaram a favor de manter a prisão preventiva de Bolsonaro, decretada por Moraes no sábado (22/11) atendendo a pedido da Polícia Federal.
A decisão da Primeira Turma do STF — à qual Luiz Fux não pertence mais, após mudar para a Segunda Turma — foi por unanimidade.
A prisão preventiva foi decretada no âmbito da ação por coação no curso do processo, pela qual seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), é réu.
A defesa do ex-presidente havia solicitado que o cumprimento da pena ocorresse em prisão domiciliar, alegando sua "saúde delicada".
Mas, na decisão de sábado, Moraes já havia determinado a disponibilização de atendimento médico em tempo integral.
'Por curiosidade'
Bolsonaro foi preso preventivamente em Brasília no sábado, por ordem de Moraes.
O ministro decidiu revogar a prisão preventiva em regime domiciliar, na qual o ex-presidente estava desde o início de agosto por coação no curso do processo e obstrução de investigação.
A ação apura a atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos para articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras.
Segundo o processo, Eduardo tentou influenciar o julgamento de seu pai por golpe de Estado, um dos crimes pelos quais ele foi condenado a 27 anos e 3 meses de pena.
O pedido de prisão deste sábado foi feito pela Polícia Federal depois que um risco concreto e iminente de fuga foi identificado.
Segundo a decisão de Moraes, esse risco foi identificado após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) convocar uma "vigília" em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente, e ser detectada uma tentativa de violação da tornozeleira que ele usava.
Na ordem de prisão, Moraes pontuou que a convocação de vigília por seu filho Flávio poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.
De acordo com a decisão, a convocação da vigília foi interpretada como parte de uma estratégia para "prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais" e "dificultar a aplicação da lei penal" nas horas que antecederam o possível trânsito em julgado da condenação.
Além disso, ainda segundo a decisão, a ocorrência de violação da tornozeleira eletrônica usada por Bolsonaro reforçou o entendimento de que havia risco iminente de evasão.
Segundo documento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAPE), o Sistema de Monitoração gerou um alerta às 00h07 do sábado, indicando violação no dispositivo.
O relatório indica que o equipamento apresentava "sinais claros e importantes de avaria", com marcas de queimaduras em toda sua circunferência, no local de fechamento do case.
Questionado por policiais que foram até a residência do ex-presidente verificar o ocorrido, Bolsonaro confirmou que fez uso de ferro de solda "por curiosidade". Em seguida, a tornozeleira foi trocada.
Para Moraes, o registro "constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga", supostamente facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada.
No domingo, durante audiência de custódia, Bolsonaro disse que tentou abrir sua tornozeleira eletrônica após sofrer um episódio de "paranoia" e "alucinação" devido ao uso combinado de remédios.
O ex-presidente relatou que estava fazendo uso de pregabalina (medicamento indicado para o tratamento de dores crônicas e dores de origem neurológica) e de sertralina (antidepressivo indicado para o tratamento de depressão e transtornos de ansiedade).
De acordo com Bolsonaro, a associação desses remédios teria provocado efeitos colaterais. Ele relatou ter acreditado que a tornozeleira eletrônica pudesse conter um dispositivo de escuta clandestino, o que teria motivado sua tentativa de mexer no equipamento.
Segundo a ata da audiência, Bolsonaro declarou que "agiu movido por temor e sensação de perseguição, decorrentes do uso concomitante de medicamentos".
O ex-presidente admitiu ter utilizado um ferro de solda durante a madrugada para tentar violar a tornozeleira, mas afirmou que interrompeu a ação por conta própria e comunicou posteriormente o ocorrido aos agentes responsáveis pelo monitoramento.
Horas mais tarde, os advogados do ex-presidente, que haviam sido questionados por Moraes sobre a violação do equipamento, enviaram documento reafirmando que Bolsonaro apresentava "quadro de confusão mental pode ter sido causado pela interação indevida de diferentes remédios".
A defesa negou qualquer intenção de fuga e pediu para que o pedido de prisão preventiva fosse reconsiderado e que Bolsonaro voltasse para a prisão domiciliar.
Bolsonaro foi considerado pelo STF como líder de uma organização criminosa, com militares, policiais e aliados, que atuou para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O ex-presidente foi declarado culpado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a organização criminosa agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista — a chamada "minuta do golpe".
Gonet citou ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.
A PGR destacou ainda os ataques de 8 de janeiro de 2023 como o ato final da tentativa de golpe.
Ao fim do julgamento, o STF considerou haver provas suficientes das acusações da PGR e condenou os réus.
