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Impeachment de ministros do STF: o que diz cada lado na crise aberta por decisão de Gilmar Mendes

O ministro do STF Gilmar Mendes rejeitou nesta quinta-feira (04/12) pedido da AGU para que suspendesse sua medida cautelar sobre a lei do impeachment; para o magistrado, legislação de 1950 é incompatível com Constituição.

Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta quinta-feira (04/12) o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para que o ministro reconsiderasse sua medida cautelar que suspendeu diversos trechos da Lei do Impeachment relativos ao afastamento de magistrados da corte.

A AGU havia pedido na quarta-feira (03) que Mendes deixasse para o plenário do STF decidir sobre o assunto e suspendesse a medida cautelar.

O órgão é comandado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias — escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como sua nova indicação para o STF, que precisa ser aprovada pelo Senado.

A manifestação da AGU, assinada por Messias, foi apresentada em um momento delicado para sua indicação e para a relação entre o Planalto e o Senado.

Na terça-feira (02/12), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), cancelou a sabatina de Messias.

A suspensão tem como pano de fundo a escolha de Messias, enquanto Alcolumbre apoiava a indicação de seu aliado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A opção por Messias "azedou o clima político" segundo afirmou um ministro do STF em caráter reservado à BBC News Brasil no dia da escolha de Lula.

Para alguns analistas, a manifestação da AGU na quarta-feira foi um aceno de Messias aos senadores — a pauta do impeachment de ministros do STF é cara aos parlamentares.

Alcolumbre criticou a decisão de Mendes durante a abertura da sessão no Senado nesta quarta. De acordo com ele, as mudanças tentam "usurpar as prerrogativas do poder Legislativo".

O presidente do Senado lembrou que já existe um projeto de lei em tramitação na casa para reformar a Lei do Impeachment, de autoria de Rodrigo Pacheco.

Ao rejeitar o pedido da AGU, Gilmar Mendes argumentou que não existe no ordenamento jurídico brasileiro a figura do "pedido de reconsideração" — diferente de um recurso convencional, que tem "estrutura, pressupostos e efeitos definidos".

"Trata-se, na realidade, de expediente informal, destituído de previsão normativa e incapaz de gerar efeitos próprios dos recursos típicos, como a suspensão ou interrupção de prazos processuais (...)", argumentou o ministro do STF, para quem o pedido da AGU foi "incabível".

Mendes defendeu a validade de sua medida cautelar.

"Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos", escreveu o decano do STF.

Na quarta, Gilmar Mendes restringiu de forma liminar (temporária) à Procuradoria Geral da República (PGR) a prerrogativa de entrar com um pedido de impeachment contra os magistrados.

Em entrevista à BBC News Brasil no mês passado, o ministro já havia dito que pretendia julgar ainda neste ano uma ação protocolada na Corte sobre o assunto.

Nas decisões desta quarta e quinta-feira, Mendes argumentou que a "alguns pontos" da lei que trata do impeachment de membros do Judiciário vão de encontro à Constituição, por isso decidiu pela liminar. Além disso, afetariam a independência judicial.

"Desse modo, tenho para mim que a medida cautelar deferida, além de encontrar fiel amparo na Constituição Federal, mostra-se indispensável para fazer cessar um estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional. Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos", argumentou o ministro nesta quinta-feira, ao rejeitar o pedido da AGU.

A medida cautelar decidida por Mendes será analisada pelo plenário do STF em sessão virtual agendada para começar no próximo dia 12.

As duas ações que estão sendo discutidas no STF foram apresentadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que buscam aumentar a proteção dos juízes contra pedidos de impeachment.

Pela lei atual, qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um ministro do STF.

A AGU argumentou ser legítimo que qualquer cidadão possa fazer isso.

"O controle do exercício do poder pelos cidadãos decorre da soberania popular inscrita no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, ao estatuir que: todo o poder emana do povo", argumentou o órgão comandado por Messias.

Um dos trechos da lei questionados por Gilmar Mendes refere-se ao quórum necessário para a abertura de um processo de impeachment, de maioria simples — o equivalente aos votos de 21 senadores.

Para Mendes, seria mais adequado — e constitucional — o quórum de dois terços dos senadores. De acordo com o ministro, isso protegeria as garantias constitucionais da magistratura e a autonomia do Judiciário.

O decano do STF havia solicitado que a AGU se manifestasse sobre o tema. Entretanto, nesta quinta-feira, ele criticou que a resposta só tenha vindo agora.

"Após o transcurso de quase 2 (dois) meses do prazo assinalado, o ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO manifestou-se nos autos", escreveu Mendes.

Nesta quinta-feira, o ministro afirmou à TV Globo que sua decisão não busca proteger ministros do Supremo como ele. Mendes destacou que a lei em vigor atualmente é de 1950.

"Se trata de aplicar a Constituição, é isso que estamos fazendo. Tendo em vista que a lei, de alguma forma, ela já caducou. É de 1950, feita para regulamentar o impeachment no processo da Constituição de 1946. Ela já passou por várias constituições, e, agora, se coloca a sua discussão face à Constituição de 1988", afirmou o ministro.

Em evento promovido pelo portal Jota, o ministro do STF Flávio Dino defendeu a revisão da lei de 1950. Ele afirmou que já foram apresentados 81 pedidos de impeachment contra ministros do Supremo.

"Isso jamais aconteceu antes no Brasil e isso nunca aconteceu em nenhum país do planeta Terra. Então, é preciso analisar para ver se de fato são imputações, acusações de crime de responsabilidade. Por que agora? Porque tem 81 pedidos de impeachment", afirmou Dino.

"Isso agudiza a necessidade de revisão do marco normativo. Espero que esse julgamento inclusive sirva como estímulo ao Congresso Nacional para legislar sobre o assunto."

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