TENSÃO

'Trump precisa explodir alguns alvos na Venezuela ou parecerá fraco', diz ex-embaixador dos EUA

Para o diplomata, se o ataque terrestre na Venezuela anunciado na última segunda-feira (29/12) for confirmado, "representará uma escalada significativa das hostilidades".

Após meses de demonstrações de força e ameaças contra a Venezuela, Donald Trump "precisa explodir alguns alvos" no país sul-americano ou parecerá fraco, segundo avaliação do ex-embaixador dos EUA John Feeley.

"Neste momento, Trump precisa explodir alguns alvos na Venezuela", afirmou o diplomata à BBC News Brasil.

"Claro, ele está limitado pela política eleitoral interna dos EUA, que lhe diz: 'Não comece uma nova guerra em ano eleitoral'. Mas, ao mesmo tempo, ele foi conduzido até aqui pelo [secretário de Estado] Marco Rubio e, se não demonstrar sua força militar, parecerá fraco. E sabemos que Trump detesta fraqueza".

Feeley já foi considerado um dos maiores especialistas em América Latina do Departamento de Estado americano. Ele foi embaixador dos EUA no Panamá e deixou o governo em 2018, durante o primeiro mandato de Trump, por discordar das decisões do republicano.

Para o diplomata, se o ataque terrestre na Venezuela anunciado na última segunda-feira (29/12) pelo presidente americano for confirmado, "representará uma escalada significativa das hostilidades" entre os dois países.

No entanto, diz Feeley, a própria "revelação confusa e contraditória" de Trump sobre a suposta operação clandestina, assim como a falta de verificação independente sobre o ataque, prejudicam "sua eficácia".

Respondendo a um questionamento da imprensa, o republicano afirmou que seu país destruiu, na semana passada, instalações que armazenavam drogas na Venezuela. Se confirmada, esta seria a primeira intervenção terrestre dos EUA no país sul-americano desde que Washington iniciou sua campanha de operações militares no Caribe.

Trump, porém, não deu detalhes sobre a suposta operação, dizendo apenas que "houve uma grande explosão na área do cais onde as drogas são carregadas nos navios".

Segundo veículos de imprensa dos EUA, como o jornal The New York Times e a emissora CNN, fontes do governo teriam informado que a explosão foi causada por um ataque de drone realizado pela CIA.

Nem as Forças Armadas dos EUA, nem a Agência Central de Inteligência (CIA), nem a Casa Branca se manifestaram sobre essa informação. O governo venezuelano tampouco confirmou qualquer ataque dos EUA em seu território.

Para John Feeley, revelar informações sobre a suposta operação poderia colocar agentes americanos no país em risco.

"A própria revelação confusa e contraditória do presidente sobre a suposta operação clandestina e a falta de verificação independente já prejudicaram sua eficácia. Se a teoria é provar a Maduro que agentes da CIA estão circulando livremente e sabotando infraestruturas venezuelanas não especificadas, revelar ao regime onde e quando atacaram não é a melhor maneira de proteger esses agentes de futuros ataques", diz.

Por outro lado, afirma o diplomata, "se o ataque não ocorreu, Trump simplesmente parecerá um velho confuso falando besteira".

'Trump tem todas as cartas na manga'

Nos últimos meses, os EUA atacaram dezenas de embarcações no Caribe e no leste do Pacífico alegando que estas transportavam drogas, sem no entanto apresentar qualquer prova.

Mais de cem pessoas morreram nesses ataques — que vários especialistas em direito definem como ilegais e os críticos de Trump descrevem como execuções extrajudiciais.

Os Estados Unidos também mobilizaram uma grande força naval no Caribe, deslocando para ali seu maior e mais moderno porta-aviões, o Gerald R. Ford, em meio à chamada operação Lança do Sul.

Em outubro, Trump confirmou ter autorizado a CIA a realizar operações secretas na Venezuela.

Em meados de dezembro, o presidente americano também ordenou um bloqueio "total e completo" de todos os petroleiros sancionados que entrassem ou saíssem da Venezuela.

Pouco antes, os EUA apreenderam um desses navios, o petroleiro Skipper, e desde então interceptaram uma segunda embarcação, a Centuries, e perseguiram uma terceira, a Bella 1.

Arquivo pessoal
John Feeley

Em entrevista concedida à BBC Brasil na semana passada, John Feeley já havia falado sobre a atual crise. Para o diplomata, a falta de clareza do governo americano sobre sua estratégia na Venezuela é um problema.

"Não acredito que seja uma política baseada em uma estratégia bem elaborada. Uma estratégia sempre precisa começar com um objetivo final e, se o objetivo final do governo Trump na Venezuela é a mudança de regime, por que ele não declara isso abertamente?", disse.

"Até hoje, segundo a contagem oficial, há mais de 100 tripulantes mortos, aproximadamente 25 barcos explodidos, provavelmente já gastamos dezenas de bilhões de dólares nessa operação, e realmente não sei o que o governo Trump tem a mostrar."

O diplomata afirmou ainda que as demonstrações de força de Trump até aquele momento, com ataques a embarcações no Caribe e mobilização de equipamento militar americano, não seriam suficientes para tirar Nicolás Maduro do poder.

"Uma demonstração de força por parte dos Estados Unidos, que é inegavelmente o país militarmente mais poderoso do hemisfério Ocidental, não é suficiente para depor Nicolás Maduro."

Reuters
Governo americano pressiona para que Nicolás Maduro deixe o poder na Venezuela

Questionado sobre a possibilidade da atual tensão entre Venezuela e Estados Unidos escalar para um conflito direto, o ex-embaixador americano disse ainda que o governo americano detém todas as cartas.

"O governo Maduro não tem capacidade para escalar para um conflito direto com os Estados Unidos. Literalmente, como o presidente Trump gosta de dizer em relação ao presidente ucraniano, sua administração tem todas as cartas na manga", opinou.

"E se ele [Trump] decidir ir em frente [com uma escalada], só poderá fazer uma de três coisas neste momento: pode atacar com tropas terrestres, atacar com bombas aéreas ou simplesmente voltar para casa."

O diplomata disse ainda acreditar que não haverá uma invasão terrestre com tropas americanas.

Feeley falou também sobre María Corina Machado, líder da oposição venezuelana e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, a quem descreveu como uma "democrata com d minúsculo".

"Aplaudo a atribuição do Prêmio Nobel a ela, mas lamento que ela o tenha dedicado a Donald Trump", disse.

O diplomata também comparou as ações de María Corina às de Ahmed Chalabi, um político iraquiano que incentivou a invasão do seu país pelos EUA em 2003.

Chalabi ficou conhecido por ter apresentado aos EUA documentos falsos sobre a posse secreta de armas de destruição em massa pelo então primeiro-ministro Saddam Hussein. As informações teriam sido usadas como base pelo ex-presidente americano George W. Bush para invadir o Iraque e depor Saddam.

"Por mais que admire ela e a causa, devo dizer que ela está fazendo exatamente o que Ahmed Chalabi fez com o Iraque no outono de 2001, após os ataques da Al-Qaeda", diz Feeley sobre María Corina.

"Ela está usando o pretexto de armas de destruição em massa, neste caso, o fentanil, para encorajar o presidente Trump a invadir seu país para libertar seu povo, já que eles não conseguiram fazê-lo até agora."

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