Entrevista | GUSTAVO FRANCO | ECONOMISTA

Ponto de inflexão no tema ambiental

Um dos principais articuladores do Plano Real, lançado há 28 anos, alerta sobre os riscos de não se combater a inflação. Segundo ele, a crise global não vai lançar o país em uma recessão duradoura, mas é preciso repensar os planos para o futuro

Rosana Hessel
postado em 04/07/2022 00:01
 (crédito:  Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na região amazônica colocaram em discussão a falta de políticas públicas voltadas para a área socioambiental no Brasil, além do desmonte de instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

Para o professor e pesquisador da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais da França, Alberto Pena-Vega, a situação atual do Brasil é trágica, considerando avanços importantes que foram realizados na preservação do meio ambiente no passado. Ele classifica os assassinatos recentes como "outras das tantas mortes que aconteceram no Brasil nos últimos anos".

Pena-Vega é também diretor científico do Pacto Mundial de Jovens pelo Clima, um projeto mundial ligado à Organização das Nações Unidas que reúne jovens para discutir medidas de combate às mudanças climáticas e propor ações concretas para serem realizadas em seus países. O grupo apresenta as propostas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança no Clima (COP) desde a COP21, realizada em 2015 na França.

O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips colocou em evidência as dificuldades brasileiras na área socioambiental, especialmente na região amazônica. Como enxerga essa questão?

Não é novidade que a imagem do Brasil lá fora é péssima. Péssima. É a imagem de um desastre. Este país, que tinha uma postura de liderança no mundo, de repente perdeu sua grandeza. Embora com muita dificuldade, este país tentou ter uma política ambiental importante, lutar contra o desmatamento. Existem pessoas que têm reconhecimento muito forte lá fora, como a antiga ministra (do Meio Ambiente) Marina Silva, uma pessoa que combateu o desmatamento no Brasil.

Então, a imagem do Brasil é ruim. Porém, existe também um movimento ambientalista importante, pessoas que trabalham com dificuldade, com o risco de suas vidas. As mortes do indigenista e do jornalista britânico são outras das tantas mortes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. O que é trágico. E não somente de ambientalistas, mas de indígenas, que são mortos praticamente todos os dias.

A situação no Brasil é trágica também porque há uma negação daquilo que acontece. Há um negacionismo muito forte, e esse negacionismo é um câncer que é preciso extirpar logo. Todos sabemos o que está acontecendo.

Qual a perspectiva de que a situação brasileira melhore na área ambiental?

O Brasil chegou a um ponto de inflexão no tema ambiental. Estamos a alguns meses das eleições. Temos a esperança de que isso vá mudar. Se mudar, eu acredito, sinceramente, que as autoridades que chegarão ao poder depois de outubro terão que ter uma política pública aberta em relação ao meio ambiente, às mudanças climáticas, e à proteção dos indígenas. Principalmente, terão que ter uma política pública internacional para dizer: "o Brasil, nesse tema, com essa situação, vai mudar".

Não muito longe daqui, na Colômbia, há um novo presidente, (Gustavo) Petro. O discurso dele foi: "Meu governo vai focar principalmente na proteção do pulmão da América Latina, o pulmão do mundo", que é a Amazônia colombiana. E a Amazônia colombiana é também a brasileira, a equatoriana, a peruana e a boliviana. Então, há uma esperança de que as coisas vão mudar. Além do presidente colombiano, você tem o do Chile, o da Bolívia, o argentino, que fazem o mesmo discurso. O presidente do Peru está com dificuldades, mas também faz esse discurso.

O senhor é diretor científico do Pacto Mundial de Jovens pelo Clima. O que é esse projeto?

Em 2014, comecei a organizar uma pesquisa para orientar uma categoria de adolescentes, que estão na escola, e como eles se representam na crise climática e em relação às outras crises que as mudanças climáticas trazem, como a pobreza, a política e educação. Tentei elaborar uma pesquisa em que a crise climática fosse mais um fio condutor para entender outras crises da sociedade. A pesquisa começou em 2014, quando a França estava organizando a COP21, a Conferência de Paris. Eu e meus colaboradores tentamos identificar 10 países para começar a pesquisa.

Hoje, temos mais de 30 nações e 17 mil jovens participantes. Não temos muitos projetos no Brasil, mas temos em São Paulo, desde o começo, em 2015. Temos outro grupo de trabalho no Paraná, em Curitiba e no interior. Temos também um grupo de jovens no Acre, que são de uma comunidade indígena. É um projeto para despertar as consciências dos jovens para a situação ambiental. Não é um projeto para formar especialistas do clima.

A preocupação com o meio ambiente é maior nas novas gerações?

Efetivamente, há uma grande curiosidade sobre os temas relacionados ao meio ambiente. Muitas vezes, a informação não é muito boa e, por isso, sempre tentamos entregar conhecimento que vem da ciência, de pesquisadores da física, da biologia, das ciências do clima, sociólogos, antropólogos, geólogos etc. A partir daí, eles têm outro olhar sobre a realidade, uma consciência ecológica muito mais forte. Esses jovens estão muito mais preparados para lidar com as crises que nós vamos viver e que estamos vivendo hoje, não somente no Brasil, mas também em outras regiões do mundo.

O que pode ser feito, em termos de políticas públicas, para estimular esse interesse nos jovens?

Isso tem muito a ver com o projeto do país, se o Ministério do Meio Ambiente, o ministério da Educação consideram essas informações importantes para os jovens. Agora, é muito importante ressaltar, há uma visão crítica dos jovens à maneira como as autoridades tentam implementar esse tipo de política pública. Para muitos dos jovens do nosso projeto, o problema fundamental é o modelo atual. É o modelo dominante, focado no crescimento, na economia de mercado, na rentabilidade, na industrialização sem nenhuma política ambiental. Governos que fecham os olhos à catástrofe e aos desastres ecológicos. Tudo isso os jovens têm condição de contestar. Por exemplo, o governo atual desse país não tem nenhuma visão para tentar mudar as coisas, nenhum interesse em implementar esse tipo de programa, porque é contra os princípios dele. Sou bastante otimista, porque vejo que esse tipo de governo não vai se perpetuar. As forças de inteligência e de criatividade são muito mais fortes.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação