Em menos de uma semana, quatro episódios de ofensa a cidadãos, devido à cor da pele, foram registrados em vídeos. Num deles, no Rio de Janeiro, um office boy foi agredido por policiais que trabalhavam como terceirizados para uma empresa de segurança em um shopping. Negro, o jovem foi trocar o presente para o Dia dos Pais, e virou suspeito de ser ladrão. Fora da loja, apanhou e teve seu cartão de crédito furtado.
Em São Paulo, num condomínio de casas, em Valinhos, um entregador por aplicativo foi verbalmente agredido por um morador, que o acusou de ter inveja da sua pele branca, entre outras ofensas. Em Brasília, no Lago Sul, bairro nobre capital, um delegado de polícia negro foi chamado de “macaco” por um morador, em uma lanchonete, onde estava com a filha.
Mas foi de dentro de um Tribunal de Justiça que saiu exemplo surpreendente de naturalização do racismo. Um homem negro, 48 anos, foi condenado a mais de 14 anos de prisão pela juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR). Apesar de reconhecer que, “sobre sua conduta social, nada se sabe”, escreveu na sentença que, “seguramente”, o homem era “integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”.
A lógica da juíza é a mesma que orienta as forças de segurança pública: discrimina, marginaliza e aplica a pena capital ao indivíduo de pele escura. Entre as vítimas da ação letal da polícia, os negros somam 76%. Na população carcerária — 773.151 pessoas, segundo dados oficiais de 2019 —, pretos e pardos representam 64%. Dos mais de 60 mil homicídios, registrados anualmente no país, 71% as vítimas são negras.
Os pretos e pardos são 56% da população. Mas os dados da violência contra eles — crianças, jovens, homens e mulheres — não causam nenhuma consternação à sociedade. Há espaços delimitados para brancos e não brancos. O então ministro Joaquim Barbosa foi o terceiro negro a ser ministro e o primeiro a presidir o Supremo Tribunal Federal (STF) em 212 anos da Corte. Nos tribunais superiores, os afrodescendentes são 9%. Nas eleições de 2018, os negros conquistaram 24% das cadeiras no Legislativo Federal. No Executivo, hoje, não há nenhum ministro preto ou pardo.
“O racismo estrutural é fruto de um processo histórico, político e econômico de reprodução sistemática das hierarquias sociais com base no conceito de raça. É a naturalização da violência social, marcada pela estigmatização da pessoa negra e pela imposição de características negativas e de subalternidade”, ensina o professor de direito e filósofo Silvio Luiz Almeida. A desconstrução dessa estrutura passa pelo reconhecimento das práticas racistas, seja no âmbito do Estado, seja nos segmentos privados. Impõe-se admitir que os obstáculos às políticas inclusivas, por questões étnicas, aprofundam as iniquidades e causam prejuízos sociais, econômicos e políticos a toda sociedade.
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