Ponha-se no lugar de uma menina de 10 anos, imagine o que você quer da vida: brincar, ir à escola, jogar com os amigos, assistir a filmes e séries infantis. Agora, imagine que existe um adulto que invade a sua inocência, a sua intimidade e faz ameaças à sua vida e à sua família. É quase impossível, para quem teve uma infância comum, conceber tamanha violência. Trata-se de um crime, dos mais cruéis por ser praticado contra uma pessoa indefesa, no abrigo do lar, silencioso e permanente. Ainda que o estuprador seja condenado e preso, o crime estará marcado para sempre na alma e no corpinho da vítima.
No fim de semana, as redes sociais explodiram em discussões sobre uma decisão da justiça, que autorizou a realização de um aborto em uma criança de 10 anos, vítima de estupro por parte de um tio de 33 anos, que resultou emgravidez, confirmada no início deste mês. A decisão foi rápida e 10 dias após a descoberta, o procedimento foi realizado ontem. O que deveria ter sido tratado com total discrição, em vista da delicadeza da situação, tornou-se uma espécie de palanque para todo o tipo de pessoas focadas em defender suas opiniões, crenças, religiões, valores, posições políticas, interesses não revelados ou simplesmente aparecer e ganhar alguns segundos de fama.
Chegaram ao cúmulo de organizar manifestações em frente ao hospital, revelar o nome, e a acusar uma menina de 10 anos de “assassinato”. É bem verdade que muitos se posicionaram em defesa da garota e sua família, pelo direito de interromper uma gravidez indesejada, pelo cumprimento da lei. Mas, quantos, verdadeiramente, se colocaram no lugar dela? Quantos pensaram que a menina quer de volta a sua vida, ou o que puder resgatar dela, apesar dos traumas? Por que este caso foi tratado tão publicamente, quando existe um Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que exige o anonimato e que estabelece punição a quem expõe o menor?
O que vimos foi uma acusação: a menina cometeu o crime de ser vítima.
Enquanto todo o debate transcorria, com direito a vídeos replicados nas redes, o verdadeiro criminoso, o tio, escapulia das mãos da polícia, da justiça. Por quatro anos o estuprador agia impunemente protegido pela pureza e pelo medo da criança. E foi praticamente esquecido por aqueles que viram no aborto um crime maior que o estupro. Não vamos, aqui, teorizar sobre o código penal. Basta sabermos que o que está autorizado pela lei não é crime.
Para já, espero que a campanha pela prisão e punição exemplar desse estuprador ganhe tanto ou mais espaço nas redes sociais e nos meios de comunicação. E que o fato acorde o maior número de pessoas para esse grave crime que é cometido diariamente contra as nossas crianças.
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