Um súbito estilo mineiro de governar modificou profundamente a política brasileira. O presidente abandonou o confronto e passou a apostar na conciliação. Não mais arranja brigas, agora coleciona aliados. Deixa Brasília para seus ministros e se diverte viajando aos estados para inaugurar obras – mesmo que não estejam terminadas – e anda no meio do povo, distribui abraços, tapinhas nas costas e faz rápidos discursos. Ao lado do auxílio emergencial que foi comemorado pela população especialmente nos estados do Nordeste, o esforço ofereceu resultado imediato: seus índices de aprovação aumentaram e a rejeição se reduziu.
Bolsonaro caminhou na beira do abismo. Cometeu todas as imprudências possíveis, algumas delas poderiam provocar o início de processo de impeachment. Os militares de seu gabinete conseguiram o que tentaram desde o início da administração. Colocar o presidente numa linha de atuação razoavelmente civilizada. Um interessante indício foi a criação do Conselho da Amazônia e a entrega do seu comando ao vice-presidente general Hamilton Mourão. O ministro Ricardo Salles não foi demitido, mas está saindo de cena. A intenção é pacificar a área do meio ambiente.
O próprio Mourão, aliás, assumiu informalmente as relações com o governo da China, apoiado pelos colegas de farda com objetivo de empurrar o chanceler para a irrelevância merecida. É necessário retomar o diálogo em alto nível com os governos europeus e com a mídia internacional por razões pragmáticas. As exportações estão sob risco, e os governos da Europa relutam em assinar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Os países do Velho Continente temem o poder do setor agropecuário brasileiro. Será necessário negociar muito para alcançar os resultados pretendidos.
Há outro lado nessa mudança. Donald Trump está em situação difícil na eleição norte-americana, que será realizada no próximo mês de novembro. Ele, mestre em notícias falsas e mentiras absurdas, já cogitou de adiar o pleito e agora ataca a candidata a vice-presidente, Kamala Harris, porque os pais não são norte-americanos. Mas ela é nascida na Califrnia em 1964. Eventual vitória de Joe Biden, democrata, tende a tornar as relações do Brasil com os Estados Unidos mais tensas. Bolsonaro não é bem visto pelo grupo que está perto de assumir o poder em Washington. Negociar será preciso.
O país entrou oficialmente em recessão nesta semana, quando foi anunciada a sequência de dois trimestres de resultados negativos na economia. No segundo trimestre deste dramático 2020, a economia recuou quase 11%. A queda espetacular foi provocada pelos desacertos originados pela covid-19. O Brasil é o segundo país em número de mortes. Ao redor de 110 mil. E não há previsão segura para o fim do pesadelo. O governo despejou na economia dinheiro que não tinha. Recorreu a empréstimos e se endividou no nível próximo a 100% do produto nacional bruto.
Tudo tem limite. Em tempos normais, estaríamos no momento de cortar despesas para tentar refazer o cofre. Porém, o presidente gostou do aumento da popularidade. Ele tem os olhos postos na eleição geral de 2022. Quer concorrer e tem chances de vencer. O problema é que, se o país retornar à economia criativa dos tempos de Dilma Rousseff, os resultados serão os mesmos. É filme já visto. Eventual reeleição de Bolsonaro terá custo semelhante ao da sucessora de Lula. Por essa razão, ele procurou meios e modos de se defender no Congresso. O mais recente foi designar o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que serviu aos governos de FHC, Lula, Dilma e Temer, para líder do governo na Câmara dos Deputados. Às favas os escrúpulos de consciência.
Convidar Michel Temer para chefiar a missão humanitária ao Líbano foi gesto interessante. Temer foi presidente do MDB, presidente da Câmara dos Deputados três vezes, vice-presidente e presidente da República. Recebeu pesado bombardeio durante o mandato. Safou-se de tudo. Já foi absolvido em dois processos. Sabe fazer política. Está na posição de consultor eventual de Jair Bolsonaro. Sugeriu acabar com as entrevistas matinais na porta do Palácio da Alvorada. Foi atendido. Essa aproximação terá preço e consequência.
Paulo Guedes, ministro da Economia, percebe a terra fugir debaixo dos pés. Bolsonaro trata 2020 como se fosse 2022. Para ele, a reeleição está ao alcance da mão. Não hesitará em rasgar alianças, promessas e horizontes para permanecer mais quatro anos no espaçoso gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto. Vale tudo.
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