Sessenta anos da OAB-DF

''A intervenção é o último recurso e só se justificaria em situação de descalabro político, o que o DF não experimentava''

João Carlos Souto
postado em 17/08/2020 04:03 / atualizado em 18/08/2020 10:37

Em 1986, ainda estudante de direito da vetusta Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, participei de campanha política memorável: a vitória de Waldir Pires ao governo da Bahia, derrotando Josaphat Marinho, candidato de Antônio Carlos Magalhães.

Josaphat era uma das glórias da Bahia: jurista, grande orador, constituinte no estado em 1947, professor da Ufba e da UnB e senador duas vezes pela Bahia. Mas, naquele momento específico, estava do lado errado dos ventos democráticos que varriam a Bahia e o Brasil.

A eleição de 1986 acolheu outra característica marcante: elegeu deputados e senadores que elaborariam, no ano seguinte, a nova Constituição após longo hiato em que o regime militar, iniciado em 1964, deu as cartas no país. O constituinte eleito, com senadores que já exerciam o mandato desde 1982, produziram um texto avançado, inclusivo, programático e acentuadamente propositivo.

Trata-se de Constituição que nasceu moderna e continua assim, passados 32 anos de promulgação. Ela inovou em vários aspectos, como ampliar os legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade e criar a Advocacia-Geral da União, retirando do Ministério Público Federal competência que não lhe dizia respeito.

Outra relevante medida foi ter alçado o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) a patamar constitucional e lhe ter atribuído atividades de funda importância. É o caso da participação, mediante a indicação de um dos seus membros, nas comissões de concursos públicos para carreiras da magistratura, ministério público e advocacia pública. É evidente que a instituição externa, OAB, tem também função de fiscalizar a lisura do certame.

A legitimidade do CFOAB para propor perante o STF as ações constitucionais do controle concentrado (ADI, ADO e mais tarde ADC e ADPF) e a previsão da indispensabilidade do advogado à função jurisdicional do Estado são dois momentos da Constituinte que bem definem a importância da OAB solenemente reconhecida.

A honra de ter participado, como estudante de direito, da campanha de 1986, que elegeu os constituintes, se repetiu, em circunstância diversa, mais de duas décadas depois, no Conselho Seccional da OAB do Distrito Federal, já como advogado e vinculado ao conselho. Não se tratou de eleição, mas de movimento liderado pelo então presidente Francisco Caputo. Corria o ano de 2010 e o Distrito Federal encontrava-se engolfado no maior escândalo político da sua história, consequência da Operação Caixa de Pandora, com graves acusações contra deputados distritais e o então governador.

O cenário de crise política foi sacudido com uma ação proposta pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que requereu ao STF que fosse determinada intervenção federal no Distrito Federal. A ação aprofundou a crise política que já era grave. De pronto o então presidente do Conselho Seccional da OAB/DF, Francisco Caputo, convocou reunião na sede da instituição para discutir a crise e especialmente a ameaça de intervenção. Participou a sociedade civil de Brasília e das cidades do DF: médicos, engenheiros, comerciantes, industriais, representantes de entidades, parte da bancada de deputados da CLDF, senadores e deputados federais.

Na histórica sede da Asa Norte "onde a W-3 se despede do Plano Piloto, e a sociedade encontrou guarida nos anos duros de fins da década de 1960 e início da de 70" a OAB se apresentou líder e se mostrou decisiva para açambarcar o apoio da sociedade contra a violência institucional que se avizinhava. Na manhã de 2010, tive a honra de usar da palavra na condição de presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal para tecer considerações sobre o caráter restritivo da intervenção, restrição decorrente de vontade expressa do Constituinte Originário de 1988.

Em síntese, disse, à época, o que sabemos, mas a então PGR parecia ter esquecido: a intervenção é o último recurso e só se justificaria em situação de descalabro político, o que o DF não experimentava. Nós, da Advocacia Pública, nos orgulhamos da modesta contribuição à Federação de Jay, Hamilton e Madison, e à manutenção da autonomia do DF, por que o OAB/DF tanto lutou para manter e manteve.

A caminhada da OAB/DF tem sido longa e de muitos serviços prestados à sociedade do Distrito Federal, a exemplo das administrações de Maurício Corrêa (mais tarde senador e ministro do STF) e de Ibaneis Rocha, atual governador. A OAB/DF não se resume a esses nomes, mas certamente a campanha contra a intervenção no DF é um dos grandes momentos que precisam ficar gravados na memória.


* Mestre e Doutorando em Direito Público, Procurador da Fazenda Nacional e autor de “Suprema Corte dos Estados Unidos - Principais Decisões”

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