JK: sentimento e alma do povo

''Relembrar e resgatar um pouco das histórias e dos sofrimentos pelos quais JK passou é também exercício de democracia e lição de vida''

» SILVESTRE GORGULHO Jornalista
postado em 21/08/2020 04:00 / atualizado em 21/08/2020 08:48
 (crédito: Gomez )
(crédito: Gomez )

A era JK terminou tragicamente numa curva da Rodovia Presidente Dutra, perto de Resende-RJ. Juscelino Kubitschek tinha 73 anos, a 21 dias de completar 74 anos. Em 22 de agosto de 1976, o Brasil dormiu um domingo triste. Acordou em sobressaltos.


A notícia de que um Opala metálico atravessou a pista e bateu de frente com uma carreta pegou todos de surpresa. Pesadelo. Entre os ferros retorcidos estavam os corpos do ex-presidente e do fiel motorista, Geraldo Ribeiro. Lá se vão 44 anos de um acidente sempre mal explicado.


Cada um é curador de sua história, da história de sua família e de sua pátria. Na minha curadoria pessoal, gosto de dividir a história do Brasil em três grandes momentos: o Descobrimento, a vinda da Corte Portuguesa em 1808 e o governo JK. A seu modo, Juscelino sacudiu a vida administrativa, política e cultural do Brasil.


Plantou hidrelétricas, plantou estradas, plantou bom humor e plantou compromissos: cumpriu as 31 metas prometidas durante a campanha à Presidência. JK plantou indústria automobilística e plantou magnanimidade, perdoando revoltosos e inimigos políticos. JK plantou Brasília. O Brasil colheu um novo país.
O Centro-Oeste não produzia um grão de soja antes de Brasília. Hoje, é responsável por 48,4% da produção nacional. A soja avançou sobre novas fronteiras e levou junto a cultura do milho. A produção desse cereal à época era inferior a 9%. Atualmente, representa 54,36% da safra nacional. Brasília abriu o caminho para os recordes do agronegócio num Brasil antes vazio e desconectado do litoral.


Há 60 anos, com a inauguração da capital, o Brasil deu saltos. JK começou fazendo cinco anos virarem 50. Até 1960, a mineração ditava o desenvolvimento. Brasília redescobriu o Brasil pela ação empreendedora do agronegócio. Centenas de pequenos povoados nasceram no vazio do cerrado e transformaram-se em cidades polos com excelentes índices de IDH.


Na era JK, o Brasil colheu efervescência cultural. O Brasil colheu a primeira Copa do Mundo, Pelé, Garrincha, Maria Ester Bueno, Éder Jofre. Colheu bossa nova, João Gilberto, Vinicius, Tom, Cinema Novo. Colheu alegria. O povo brasileiro colheu o sentimento de ser capaz de construir o que parece impossível. JK plantou democracia. E o Brasil colheu paz.


Carlos Lacerda, o grande líder a UDN, quando soube da morte de JK, fez uma declaração enfática: “Fiz discursos contundentes contra Brasília e contra JK. Celebram-no, hoje, por ter feito Brasília. Mas há que celebrá-lo muito mais por ele ter demonstrado aos brasileiros que a democracia é possível. E, desde que possível, indispensável. Deus não o privou apenas do sentimento do medo. Privou-o também da capacidade de invejar e de odiar”.


JK foi um construtor de sonhos. Não merecia tanta injustiça. Mas, a grande popularidade e a pretensão de voltar à Presidência em 1965 (JK 65) impuseram-lhe perseguição implacável do regime militar. Os anos passaram. JK virou unanimidade. O historiador e jornalista Elio Gaspari lembra: “Hoje, todos os políticos brasileiros querem ser um JK quando crescerem. Um dia, talvez, algum consiga, desde que aprenda uma lição: JK jamais disse uma má palavra dos brasileiros ou do Brasil. Foi um visionário que acreditou em ambos”.


Juscelino morreu em agosto de 1976, mas seu sofrimento começou em 8 de junho de 1964, quando teve cassado o mandato de senador por Goiás. Ficou mais de mil dias exilado. Em Paris, tinha uma cozinheira que não o deixava esquecer as origens: dona Diamantina. Mas, mesmo tendo Diamantina tão perto, não se sentia nada feliz: “Viver fora do meu país, sem saber quando será possível o regresso, é o castigo mais cruel imposto a um homem que só pensa no Brasil”.


Relembrar e resgatar um pouco das histórias e dos sofrimentos pelos quais JK passou é também exercício de democracia e lição de vida. Uma homenagem ao maior dos presidentes. Médico, democrata, magnânimo, realizador, seresteiro e sonhador, JK teve que passar por muitas provações antes de virar nacionalmente admirado e imitado como político do bem.


Para Cacá Diegues, JK conseguiu substituir o hábito do sofrimento pela pedagogia do prazer. À nova geração, o escritor Josué Montello explica: “JK foi o que soube ser na hora solar de sua grandeza: homem do povo, expressão do povo, sentimento e alma do povo brasileiro”. Valeu, presidente. Obrigado, JK!

 

 

* Jornalista, foi secretário de Estado de Cultura de Brasília 

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