Comentarista de um jornal do Rio de Janeiro aventou a possibilidade de ser Jorge Amado descendente de libaneses. Paloma Jorge Amado, sua filha, respondeu: “Os Amados vieram de Portugal com Nassau no tempo da Inquisição. Isso fez um primo nosso (...) achar que éramos holandeses. Papai o chamou à realidade: éramos judeus sefaradi fugindo... E estou certa de que era isso mesmo. Sem dúvida nenhuma, papai tem cara de árabe”.
Podemos deduzir, então, que os ascendentes da família Amado chegaram ao Brasil no séc.17, saídos não diretamente de Portugal, mas da Holanda; e são judeus sefaradis, não são árabes. Se estavam fugindo da Inquisição, eram cristãos-novos, ou seja, já eram convertidos ao cristianismo, pois a Inquisição não tinha jurisdição sobre judeus, mas só sobre os batizados na religião católica romana.
Sefarad é o nome hebraico da Península Ibérica, mencionado na profecia de Obadias, vers.20, como um dos lugares habitados pelos exilados de Jerusalém. O termo sefaradi, ou sefardita, ou sefaradita, refere-se aos descendentes dos judeus espanhóis e portugueses expulsos da Península Ibérica no final do séc. 15 que conservam as características culturais hispânicas.
À época, houve duas expulsões. A de 1492, cujo decreto foi assinado por Isabel de Castela e Fernando de Aragão, ordenava a saída dos judeus que não se convertessem ao cristianismo. A intenção dos reis era que o território que hoje compõe a Espanha fosse exclusivamente cristão. A de 1497, quando os judeus são expulsos de Portugal (ou convertidos à força), sob D. Manuel, o Venturoso.
Desde a fundação do Estado de Israel (1948), o termo sefaradi vem sendo usado para designar os judeus de origem distinta da dos asquenazis (de origem alemã ou da Europa Central) e dos mizrahis (de origem árabe).
O ano de 1492 é marcante na história da Espanha. Ocorre a conquista de Granada, último território dos mouros na Península Ibérica; a expulsão dos judeus, que levaram sua cultura e seu idioma para os países que os acolheram; a publicação da primeira gramática escrita em língua neolatina, o castelhano; o descobrimento da América, em 12 de outubro.
O dialeto predominante naquele momento na Espanha, o castelhano, começa a se espalhar por todo o mundo: por um lado, judeus; por outro, cristãos-velhos, cristãos-novos, criptojudeus. Não se sabe ao certo quantos judeus saíram. Segundo estimativas mais tradicionais, os que se converteram seriam cerca de 50 mil; os que preferiram emigrar, cerca de 180 mil. Dirigiram-se para Portugal, Navarra ou França; Países Baixos (Holanda e Bélgica). Alguns escolheram fixar-se na Itália; outros seguiram caminho em direção ao Império Otomano. Muitos foram para o norte da África.
Então, o que deduzimos é que a família Amado saiu de Portugal para os Países Baixos e de lá veio, com Maurício de Nassau, para o Brasil. Nassau permitiu a liberdade de culto entre cristãos e judeus. Em 1637, foi fundada a sinagoga Kahal Zur Israel (Rocha de Israel), em Recife, a primeira das Américas.
Com a expulsão dos holandeses, vários judeus regressaram à Holanda. Outros foram para o Caribe e de lá chegaram a Nova Amsterdã, atual Nova Iork. Os que permaneceram no Brasil se espalharam pelo Nordeste ou se dirigiram para Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, atraídos pela descoberta de ouro e de pedras preciosas. Para essa região já haviam ido os bandeirantes, a maioria cristãos-novos ou declaradamente judeus.
Os remanescentes que permaneceram no Nordeste encontraram acolhida nos engenhos de cana-de-açúcar que pertenciam a judeus assumidos ou a cristãos-novos que judaizavam, ou seja, eram criptojudeus. Atualmente, passados séculos das perseguições inquisitoriais, brasileiros, principalmente nordestinos e descendentes, buscam suas raízes judaicas. São os bnei anussim, os “filhos dos forçados”.
Paloma Amado acrescenta, na resposta, que o pai “adorava o fato de ser de origem sefaradi. Dizia: “Árabe judeu e obá de Xangô, quer coisa melhor?”
* Escritora e palestrante. Autora de Os caminhos de Sefarad (Uma língua e sua história)
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