Passam-se os meses, e a incerteza não cede. A pandemia da covid-19 segue sem um fim claro. Há algumas semanas, parecia estar sendo controlada, exceto onde começou mais tarde, como na Índia e na África. Porém, novos surtos surgiram na Europa, na Coreia do Sul e na Nova Zelândia, países com mais sucesso no combate ao vírus. E há o caso confirmado de reincidência do vírus em Hong Kong. Tudo isso às vésperas do outono no Hemisfério Norte, época de maior incidência do vírus da gripe.
Há risco, portanto, de novas medidas de distanciamento social e, com isso, de novas contrações na atividade e no emprego. O que, por sua vez, levaria a novos estímulos, complicando ainda mais a situação fiscal da maioria dos países. O mercado financeiro não parece, porém, preocupado com isso, em especial nos EUA, país com mais casos e mortes, mas onde a Bolsa de Valores bate recordes quase todos os dias.
No Brasil, a pandemia segue dinâmica própria. Como no resto da América Latina, o distanciamento social durou pouco, fazendo a covid-19 se propagar de forma mais intensa. Ela segue se espalhando geograficamente, mas em ritmo decrescente. O cenário mais provável ainda parece ser o de algum controle ao longo dos próximos meses, por muita gente já ter se contaminado e pelo efeito de medidas como o uso de máscaras.
Quais as implicações disso para a economia? A maioria dos analistas aposta que veremos, nos próximos meses, a repetição do bom resultado de junho, quando, em relação a maio, o IBC-Br subiu 4,9% e o Monitor do PIB 4,2%. De acordo com o Focus, o mercado projeta expansão do PIB de 5,4% no terceiro trimestre e 2,8% no quarto. São altas expressivas, mas insuficientes para compensar a queda de 11,4% no primeiro semestre, de forma que o ano ainda fecharia com o PIB 4,2% abaixo do observado ao final de 2019.
Não é claro o que virá depois. O governo nunca deixou explícito qual é a sua agenda de política econômica, mesmo antes da pandemia. Em 2019, o foco recaiu sobre a reforma da Previdência, agenda herdada do governo anterior, que nunca foi apoiada pelo presidente, o mesmo ocorrendo com outras propostas da equipe econômica, como a privatização, a reforma administrativa, a volta da CPMF.
Agora, o apoio parece ainda menos provável. O presidente está cada vez mais voltado para a campanha de reeleição, e essa parece calcada no aumento do gasto, dando sobrevivência a, pelo menos, parte do auxílio emergencial e iniciando obras a serem inauguradas. Essa agenda agrada a parte do Congresso, mas diverge da defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, que será substituído no início de 2021.
É agenda que assusta o mercado financeiro e os investidores em geral. Seu avanço vai aumentar o risco-Brasil, desvalorizar o câmbio e diminuir a confiança. O dinheiro continuará a sair do país em ritmo expressivo, como tem feito desde o ano passado. Nesse clima, dificilmente veremos uma reação mais forte da demanda privada doméstica em 2021.
Nesse ambiente, é possível que voltemos a sofrer da síndrome da paralisia hiperativa, expressão cunhada por Bolivar Lamounier para descrever a situação observada no início dos anos 1990, mas também aplicável a parte do governo Dilma, quando se tentava compensar a falta de governabilidade com uma sobrecarregada agenda de lançamentos de políticas e planos econômicos.
É o que receio que ocorra em 2021, a julgar pelas medidas que vêm ocupando o noticiário das últimas semanas. Pelo que se lê, o governo planeja lançar pacote de reformas, incluindo emendas constitucionais, prevendo a criação do Renda Brasil, com a extinção de outras transferências de renda, investimentos em infraestrutura, redução de contribuições patronais para o INSS, criação de novo tipo de carteira de trabalho, volta da CPMF, redução do IPI sobre eletrodomésticos, desvinculação de receitas tributárias, revisão de marcos regulatórios, privatizações e outras medidas variadas.
O Brasil fez conquistas importantes nos últimos anos, trazendo a inflação e os juros para níveis historicamente baixos. O custo de capital caiu e isso pode alavancar novos investimentos, inclusive, mas não apenas, na construção imobiliária. Mas, para isso, é preciso previsibilidade na questão fiscal e nas políticas públicas. Voltar à prática de tentar compensar a falta de governabilidade com recorrentes lançamentos de pacotes econômicos não vai trazer a previsibilidade de que a economia precisa.
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