O mundo ainda está mergulhado nas perdas, incertezas e riscos da crise pandêmica, mas alguns fatos relevantes causam preocupação à parte pelo poder que têm de impactar os difíceis rumos da recomposição planetária no futuro. Entre eles, a maneira como distintas dimensões da crise entrelaçam-se no Brasil, fazendo convergir problemas de toda ordem, num momento de intenso sofrimento, quando chegamos a mais de 3 milhões de infectados e 117 mil mortos pela covid-19.
Causa perplexidade a maneira como tem sido tratada a política ambiental, com repercussões enormes para o país, seu povo e instituições, bem como para a humanidade. E é inegável que o Brasil, por suas características geopolíticas, diversidade cultural e patrimônio ambiental único, é peça-chave para a inflexão que aponta globalmente para uma renovação dos conceitos de desenvolvimento no pós-crise.
É necessário repensar o modelo atual de desenvolvimento, até mesmo para garantir a continuidade da vida na Terra, como alertam as mudanças climáticas. Autoridades nos distintos Poderes públicos, centros de pesquisa, universidades, comunidade de saúde e sociedade civil empenham-se em atender às urgências da pandemia e, ao mesmo tempo, em preservar a capacidade do Brasil de se recuperar com o mínimo possível de danos.
Mas, há sinais alarmantes do que pode vir pela frente. Assim como outros empresários, dos mais diversos ramos da economia, vejo como erro cirúrgico de estratégia para o futuro o tratamento que vem sendo dado às questões ambientais, com a destruição de nossos grandes biomas, notadamente a Amazônia.
A fragilização das condições de investimento no país é fato, em boa parte, devido a sinais dados por instituições e personalidades de governo, por meio de palavras, ações e omissões, de afastamento dos preceitos ecológicos, em sentido contrário aos protocolos consolidados no mundo, como se fosse uma aposta de alto risco. Sou parte da parcela crescente da sociedade empresarial global que, finalmente, reconhece na conservação rigorosa e de base científica dos recursos naturais um ativo de imenso valor para o crescimento econômico sustentável.
Às empresas dessa fronteira interessa inserção mais acolhedora e sensível nas questões ambientais, sociais e culturais, pois dessa convergência virá o avanço civilizatório capaz de preservar, inclusive, nossos interesses e capitais. Tais movimentos transformadores são reais e inadiáveis.
A pandemia e seus efeitos devastadores mostram que a retomada não deve pretender apenas recompor os usos e costumes nos quais moldamos nossas vidas, sociedades, economia e interações pessoais, locais, nacionais e globais. A recuperação exige escolhas, criatividade e comportamento estratégico. Dessa forma, é incompreensível que o Brasil não procure ter na Amazônia preservada parte fundamental de seu cacife para a conjuntura diferenciada que surgirá da pandemia.
Ao contrário, observa-se aumento expressivo e persistente do desmatamento, pressão sobre os órgãos de fiscalização ambiental, redução significativa das punições impostas aos infratores, a despeito de novos arranjos institucionais formalmente destinados à proteção da floresta.
Ao mesmo tempo, os povos indígenas, sobretudo os da Amazônia, estão submetidos a grande risco, a ponto de fecharem estradas para pedir socorro na pandemia. À escalada do garimpo e desmatamento ilegais em suas terras, soma-se a ação devastadora do novo coronavírus. A proteção devida ao meio ambiente é indissociável da defesa dos direitos indígenas. E ambos são parâmetros para arejarmos nossos valores e construirmos novos sentidos para a vida em sociedade, inclusive para as finalidades da economia. Não se trata de ideologia, mas de constatar o efeito virtuoso de renovar o pensamento e as prioridades. Trata-se de trazer o futuro para os cálculos do presente, não de destruí-lo.
Assim, reconhecer no Brasil um tradicional ambiente propício a investimentos não significa ignorar os fatores negativos, geradores de insegurança. Se o país é, ainda, uma potência ambiental capaz de participar, de maneira decisiva, da recomposição planetária pós-pandemia, há, também, no horizonte, possível estigma antiambiental e contrário aos direitos indígenas com poder de afastá-lo da interlocução global e do fluxo de capitais para os quais esse é um ponto de difícil transigência. E, certamente, não é um caminho para parcerias duradouras com corporações, instituições e fundos globais.
Sei que minha posição encontra acolhida ampla na indústria de engenharia consultiva ambiental. Buscamos diálogo, não confronto nem ingerência em assuntos internos do país. Tenho convicção de que, dessa forma, cumprimos nosso papel no espaço global de interlocução sobre temas de interesse mundial e de grande impacto, com potencial para influenciar nossos negócios no Brasil e a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo.
* Diretor-geral da Ramboll Brasil e presidente do Conselho de Administração do Instituto Pharos
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