A Federação e o investimento externo

» RENATO BAUMANN, Técnico do Ipea
postado em 27/08/2020 20:50

A existência de uma política de atração de investimentos externos ativa e consistente é facilmente justificada pelos efeitos positivos associados à entrada de capitais. Além da óbvia contribuição ao saldo do balanço de pagamentos, é esperado que facilite a adoção de novas tecnologias, ao mesmo tempo que estimule a qualificação da mão de obra, contribua para a elevação do nível salarial médio e introduza novas técnicas e práticas gerenciais.
O investimento externo complementa a disponibilidade de poupança na economia importadora de recursos, contribuindo para elevar a formação bruta de capital e, assim, tornar possível que a economia receptora atinja uma taxa de crescimento da produção mais elevada do que teria sido possível apenas com meios locais.
A atração de capitais de médio e longo prazos depende de diversos fatores. Entre os elementos estruturais, destacam-se: o grau de estabilidade política e de intervenção do governo na economia; a existência de direitos de propriedade e legislação determinando os direitos das firmas estrangeiras; o devido processo legal; a previsibilidade jurídica; o sistema tributário e a transparência e simplicidade dos procedimentos burocráticos; o grau de abertura da economia e a política cambial; a adequação da infraestrutura; a legislação de propriedade intelectual; a existência de incentivos fiscais e creditícios; a existência de capital humano qualificado.
A eles somam-se outros, de caráter conjuntural, como as perspectivas de crescimento da economia, a inexistência de restrições no balanço de pagamentos, o ritmo de inflação e o grau de concorrência no mercado interno. Os elementos determinantes são, portanto, bastante variados, e é um desafio ordená-los conforme a importância. O relevante é ter presente que o fluxo é sensível às condições de cada momento.
A maior parte da influência sobre esses determinantes — tanto estruturais quanto conjunturais — é do governo federal. Cabe a ele adotar as medidas de estímulo à atividade produtiva em geral, determinar o grau de abertura da economia, promover a estabilidade político-institucional e divulgar os aspectos positivos de investir no país.
Ocorre, no entanto, que, com as dimensões do Brasil, a opção federativa é uma necessidade. A estrutura nacional permite aos estados e municípios tributar certas atividades, ao mesmo tempo que exige deles maior responsabilidade na provisão de serviços. Há, portanto, autonomia de ação por parte das unidades subnacionais, o que se soma ao conjunto de elementos que podem afetar as decisões de investir.
Ressaltando o óbvio, não se investe na União. Se, no agregado, há interesse em atrair recursos, não há como desconsiderar que os projetos são implementados em locais selecionados de municípios específicos, em cada estado. Unidades administrativas concedem incentivos fiscais para atrair investimentos que, em alguns casos, já haviam sido programados para outras localidades.
O que menos se discute é a relação entre as iniciativas de governos locais e as implicações para a imagem externa do país e a consequente atratividade de recursos. Uma administração pode, por exemplo, ter razões fiscais para incluir na agenda de políticas não aportar os recursos prometidos como parte da negociação para atrair uma empresa provedora de serviços públicos, ou mesmo decidir pelo cancelamento de concessão antes do término do prazo acordado.
Em qualquer dos casos, na hipótese de a empresa afetada ser estrangeira, o rebatimento é imediato sobre a imagem externa do país no tocante à segurança jurídica e institucional. A menos que existam sólidas razões técnicas que comprovem o descumprimento de cláusulas contratuais — o que possibilita às autoridades federais construir justificativa para os críticos — a insegurança em relação a investir no país é inevitável.
Um estado ou município que adote medidas que violem o acordado com uma empresa estrangeira passará a ser visto com desconfiança por parte dos investidores. Há efeito multiplicador: como a imagem é a do país como um todo, outras unidades da Federação podem se ver afetadas com a retração de investidores e a economia se ressentir, com o impacto negativo sobre as contas externas.
A autonomia das unidades subnacionais deve ser preservada, como essência mesma da estrutura federativa. Mas, como outras políticas, a de atração de recursos externos deve compreender a consciência dos impactos importantes que ações individuais podem acarretar para o conjunto da economia.
A relação do governo federal com unidades subnacionais no tocante a objetivos macroeconômicos demanda aperfeiçoamento. Haja vista a experiência com os ressarcimentos previstos na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir). Tanto o desempenho exportador quanto a atração de investimentos externos são elementos de interesse geral. Cabe assegurar a consciência disso por parte dos administradores nas três instâncias de governo, de modo que haja benefícios para União, estados e municípios.
As administrações de vários estados têm se mostrado bastante ativas na atração de investimentos. O poder de influenciar positivamente o influxo de recursos pode se mostrar igualmente significativo se forem adotadas medidas na direção oposta. O desenho da política nacional de atração de investimentos deveria, portanto, não se limitar ao âmbito federal, mas assegurar que as unidades subnacionais tenham presentes as consequências das atitudes em relação a investidores externos para o conjunto da economia. Isso pode ser conseguido por meio de fórum que reúna de forma sistemática representantes dos três níveis de governo para tratar dessas questões.
Não se trata de deixar de punir comportamento inadequado por parte das empresas. De fato, outro ponto ausente do discurso oficial em relação a investimentos externos é a sinalização mais explícita da importância do cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil desde 1997 na OCDE, de demandar das empresas conduta socialmente responsável. Mas, esse seria tema para outro artigo. (As opiniões são pessoais e podem não corresponder à posição institucional.)

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