Teto de gastos e recuperação fiscal: duas conquistas

» MARCUS ABRAHAM Desembargador federal do TRF-2
é professor de direito financeiro da UERJ
postado em 27/08/2020 20:51 / atualizado em 27/08/2020 20:51
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O Estado nasce das necessidades humanas, já dizia Platão. Nessa lógica enunciada há quase 2.500 anos, o aparato estatal não pode ter fim em si mesmo, vez que existe para garantir a ordem social, o desenvolvimento da coletividade e a dignidade das pessoas. Portanto, as decisões dos governantes, ainda que tenham natureza política, devem ser tomadas em função do cidadão e em conformidade com a Constituição, e para nenhum outro interesse diverso.
Em maio deste ano, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 20 anos. Nesse período, a LRF nos brindou com efeitos positivos na gestão do erário, impondo uma cultura de gestão fiscal responsável. Todavia, a não observância plena ensejou a elevação do deficit público e do endividamento nos últimos cinco anos.
Para corrigir o problema, estabeleceu-se o Regime do Teto de Gastos, pela Emenda Constitucional nº 96/2016, e o Regime de Recuperação Fiscal, por meio da Lei Complementar nº 159/2017. Ambos complementam e fortalecem a LRF na busca pela Justiça fiscal e social.
Os dois institutos foram grandes conquistas fiscais e não podem sofrer retrocessos. Do contrário, prejudica-se o cidadão, pois o deficit fiscal gera endividamento público, que drena recursos de gastos fundamentais, como a educação, a saúde e a segurança, para o pagamento de juros e amortização da dívida. Quem ganha são os investidores financeiros. Quem perde são os brasileiros.
Pelo teto de gastos, estabeleceu-se que, por 20 anos, haverá limite para a despesa primária total, corrigida anualmente apenas pela inflação (IPCA). Objetiva-se reduzir as despesas e retomar o crescimento econômico sustentável. Burlar a regra ensejará violação à Constituição, descrédito perante os agentes econômicos e o abalo desse importante pilar de solvência do país. Ou tornamos os gastos mais eficientes, ou teremos que aumentar os tributos.
Já o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) criou instrumentos financeiros para que os estados pudessem superar o grave desequilíbrio fiscal. Embora Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás já tenham solicitado ingresso no regime, ainda se encontram em processo de adesão. O Rio de Janeiro foi o único que ingressou no RRF, nele mantendo-se ao longo de três anos, prazo em vias de prorrogação, tal como admite expressamente a LC nº 159/2017, sem impor condicionante.
A prorrogação do RRF aos estados, como agora pleiteado pelo Rio de Janeiro, é, ao mesmo tempo, uma possibilidade e uma necessidade. Não apenas a lei permite a prorrogação, como se torna imperiosa a necessidade de renovação do regime por mais um triênio para que o estado colha os frutos do ajuste nas contas.
No caso do Rio, o objetivo do programa do RRF ainda não foi plenamente alcançado, e sua prematura exclusão levaria o estado ao colapso fiscal. O maior prejudicado? O próprio cidadão fluminense, sobretudo em meio à pandemia da covid-19.
A cultura de responsabilidade fiscal é imperativo que deve ser perseguido continuamente, tratando-se de instrumento republicano de mudança social, de ordem e de progresso. Contudo, assim como Roma não foi construída em um único dia, também a superação das dificuldades fiscais demandará tempo e comprometimento da sociedade e, sobretudo, dos governantes.

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