ORÇAMENTO

Como retomar os investimentos sem furar o teto

''O correto diagnóstico revela que, nos últimos anos, o principal fator de expansão dos gastos refere-se ao crescimento excessivo das despesas com a Previdência pública, especialmente nos estados, e não ao gasto com o pessoal em atividade, como dito por muitos''

Raul Velloso
postado em 30/08/2020 07:00

Comecemos pelo impasse que se pode antever para esta segunda-feira, após muitas tratativas sem solução clara, envolvendo a área econômica e a cúpula do governo. Até lá, a equipe precisará entregar, para apresentação ao Congresso, um orçamento para 2021 obediente ao teto do gasto introduzido pela Emenda 95, segundo a qual o teto total não poderá crescer mais do que a inflação do ano, teto que, aliás, vem sendo defendido pela área econômica do governo e pelo mercado financeiro.

Ao mesmo tempo, está sendo pressionada a atender às demandas da cúpula governamental que, cerceada por questões políticas: 1) defende a inclusão de um programa de assistência social repaginado, que absorverá parte expressiva do benefício pago frente à pandemia; e 2) deseja incluir montante minimamente razoável de recursos para investimentos em infraestrutura, seja pela importância desse tipo de gasto, seja para tentar retomar o nível de atividade que se encontra abalado desde o início da pandemia. Conforme se vê na mídia, há sério impasse nas tratativas, enquanto se reduz rapidamente o tempo disponível para equacioná-lo.

Investir em infraestrutura é fundamental como motor de crescimento de médio e longo prazos para países como o Brasil, cabendo ao setor público parte relevante do esforço. Em adição, diante da crise do novo coronavírus, cujo término ninguém pode indicar com segurança, a economia deverá desabar fortemente este ano e, possivelmente, no próximo, o que requer esforço especial para reativá-la e minorar o sofrimento das classes menos favorecidas.

Até agora, ouvem-se de parte da cúpula muxoxos de insatisfação. Primeiro, pelo pouco convencimento da real necessidade do teto, especialmente sob uma longa fase de economia de guerra ou crise aguda de origem sanitária, como a atual. Segundo, porque, diante do aparato legal existente, que produz reajustes automáticos na maioria dos gastos correntes no orçamento federal, a obediência ao teto global implicará a virtual zeragem dos tão importantes investimentos em infraestrutura. Por último, estima-se que, especialmente no mundo desenvolvido, inexistem instrumentos esdrúxulos desse tipo e, desde a crise financeira de 2008, pelo menos, adota-se, ao contrário, postura pró-gasto bastante incisiva especialmente nos difíceis momentos atuais.

A verdade é que muitos passam ao largo do miolo do problema, escolhendo instrumentos inviáveis em vez de apresentar à sociedade um diagnóstico cuja versão correta acabasse levando, em primeiro lugar, à necessidade da ampliação do espaço orçamentário para investir. (Essa é apenas uma das faces do que considero o maior problema econômico do país — o forte viés anti-investimento, que se manifesta de várias formas e continua vivíssimo entre nós, colocando-nos entre os países que, pandemia à parte, crescem menos no mundo.

O correto diagnóstico revela que, nos últimos anos, o principal fator de expansão dos gastos refere-se ao crescimento excessivo das despesas com a Previdência pública, especialmente nos estados, e não ao gasto com o pessoal em atividade, como dito por muitos. Com os municípios, são esses os entes que enfrentam as maiores dificuldades para administrar a situação, dado que não dispõem da mesma prerrogativa da União de emitir moeda.

Saindo do índice 100 em 2006, os gastos totais com a Previdência estadual aumentaram para 257 em 2014, enquanto os relativos ao pessoal ativo, normalmente o alvo preferido dos fiscalistas radicais para o ajuste, subiam praticamente à mesma taxa, alcançando o índice 262. Só que, apenas três anos depois (2017), o primeiro subiria para 378; e o segundo, para 255, mostrando crescimento a maior de 48% no gasto previdenciário.

Ou seja, os fiscalistas radicais esquecem-se de que há ativos e inativos por trás das rubricas de pessoal (?!) e que os gastos com os últimos podem crescer bem mais. Nesse caso, a solução não é estabelecer medidas como tetos e propor ao Congresso demitir ou cortar salários, mas equacionar os gigantescos passivos atuariais mediante aportes de ativos, reformas de regras etc., abrindo espaço orçamentário para os investimentos e outros gastos prioritários.

Sem contar com a extinção do teto e, ao dar início ao equacionamento previdenciário, caberia conceber e implementar uma solução que viabilizasse o aumento dos gastos com investimentos sem violentá-lo, conforme já testei concretamente em prancheta com minha equipe, algo que é possível e deveria ser obrigação mínima das autoridades da área.

 

 

* Doutor em economia pela Yale University, USA 

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