OPINIÃO

Venha a nós, Queiroz

''Ao menos 21 cheques foram depositados na conta da primeira-dama entre 2011 e 2018. Beleza! E dizer que os 28 anos de moita no Congresso criaram o "rei da ética política". Conversa pra boi dormir!''

SACHA CALMON
postado em 30/08/2020 07:00
 (crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)
(crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)

Agora sabemos a razão de Fabrício Queiroz ter se escondido para ficar calado. Sarah Teófilo relata, neste Correio (09/08), que a quebra de sigilo bancário do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, na época deputado estadual no Rio de Janeiro, revelou depósitos de R$ 82 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

As informações foram reveladas pela revista Crusoé, que teve acesso às transações de Queiroz. O valor é superior ao que havia dito o presidente. A investigação havia revelado depósitos que chegaram a R$ 24 mil na conta da primeira-dama. Ao justificar o caso, Bolsonaro afirmou que Queiroz havia depositado, na verdade, R$ 40 mil na conta de sua esposa como pagamento de um empréstimo feito à época de deputado federal. Os pagamentos teriam sido feitos em 10 cheques de R$ 4 mil, segundo Bolsonaro, até agora sem provar.

Ao menos 21 cheques foram depositados na conta da primeira-dama entre 2011 e 2018. Beleza! E dizer que os 28 anos de moita no Congresso criaram o “rei da ética política”. Conversa pra boi dormir!

Além de Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro é investigado. Ele conseguiu foro especial no caso, que saiu da 27ª Vara Criminal do Rio e subiu ao Órgão Especial. Agora, o parlamentar tenta fazer com que o caso deixe de ser investigado pelo Grupo de Atuação no Combate à Corrupção. Tanto Márcia quanto o marido, Queiroz, tiveram prisão preventiva decretada em junho. Márcia ficou foragida até a defesa conseguir a prisão domiciliar para ambos, garantida pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha.

O presidente Bolsonaro cumpriu agenda “importante” em São José dos Campos, em São Paulo, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, com duração de 30 minutos. O chefe do Executivo aparece sem máscara à beira de uma estrada local, acenando para os motoristas que passam. Ele também tirou selfies com apoiadores. Mais cedo, Bolsonaro esteve no 2° Batalhão de Infantaria Leve, onde recebeu uma placa pelo título de Cidadão Vicentino.

Em seguida, visitou a Ponte dos Barreiros, que recebeu recursos do governo para obras emergenciais e de reforma estrutural. Em comboio e em pé na porta do carro, o presidente também acenou para bolsonaristas em outra rua da cidade e embarcou para Brasília no fim da tarde, com o ego inflado.

Bolsonaro quer eternizar seus “bolsas famílias”. Dar dinheiro ao povão é eleição garantida. Trezentos reais por mês é um dinheirão para uns 25 milhões de eleitores pobres. A conta vem depois para nós no Imposto de Renda, IOF, contribuições sociais, et caterva, além de desajuste fiscal e dívida (95% do PIB).

Bolsonaro engana os tolos, não aos que conhecem a política desde 1964, ao tempo do golpe militar que instaurou uma ditadura castrense no Brasil por 21 anos. Eram honestos os generais-presidentes e enérgicos, mas mataram muita gente e jogaram no oceano, segundo vasto noticiário daquela época. Em Belo Horizonte, várias famílias vestiram os trajes de luto pelos assassinatos de familiares pelos órgãos de repressão (os DOI-Codi da vida), os DOPS et caterva.

Aliás, o presidente não se desleixa de elogiar um dos mais perversos e sádicos torturadores daquela época de trevas: o coronel Brilhante Ustra. Não voto no PT, mas elogiar torturador me deprime. Por ocasião do impeachment da presidente Dilma, se não me engano, o presidente Bolsonaro, então deputado federal, disse, ao votar pelo afastamento da petista (deputado há 28 anos, quieto no seu cantinho): “Digo sim”, em “nome de Brilhante Ustra”, “o terror de Dilma,”, o que implica ter sabido o que se passou entre a torturada e o torturador (no mínimo, a frase é repugnante!).

Gozo de uma saúde forte, energia e lucidez, apesar das dezenas de ano, e hei de falar enquanto puder. O que mais me agradaria seria ver o presidente se tornar “de coração” um democrata e devotar sua vida política ao crescimento econômico e social de nosso povo. Parecia estar mudando, mas, outro dia, deu de agredir os jornalistas, ameaçando um deles de quebrar os dentes a socos.

Ora, um presidente há de ter decoro. O Trump é grosso também, mas limita-se a dizer: é fraude, mas sem nenhum compromisso com a verdade. Depois cada um pensa o que quiser. É mais hábil, esperto que seu grande admirador, justamente Bolsonaro.

A última é que ficou nervoso só porque lhe perguntaram quem estivera pondo sistematicamente uns dinheirinhos na conta da senhora Michele, sua atual esposa, algo assim como uns R$ 89 mil, por aí. Não é muito, mas qual a razão? Michele nunca foi rica. Dela, pode-se dizer que é bonita e discreta, cordata, sem malícia. Claro que sabemos que o depositante era o Queiroz, miliciano na Baixada, ou sua mulher. E o resto? Vai ser investigado? As pistas estão abertas.


* Advogado 

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