Opinião

Artigo: Aprendizagem contra a evasão escolar

Os efeitos da baixa escolaridade continuam a se manifestar a longo prazo, pois pessoas com ensino básico incompleto recebem remuneração de 20% a 25% inferior à dos colegas diplomados. Há, ainda, outros prejuízos para o país, como o reflexo na qualidade da mão de obra e a perda estimada acima de R$ 370 mil por não concluinte, somando mais de R$ 214 bilhões ao ano

Humberto Casagrande
postado em 31/08/2020 08:25 / atualizado em 31/08/2020 08:27
 (crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)
(crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)

Por si só, o número já preocupa: 461 mil alunos abandonaram o ensino médio só em 2018, correspondendo a mais da metade das 912,5 mil crianças e adolescentes que desistiram de concluir o nível básico (fundamental mais médio), de acordo com estudo da Unicef e Instituto Claro. Entretanto, apesar do aumento de 12% dos concluintes entre 2012 e 2018, a evasão no ensino médio está em queda lenta, bem distante do avanço conquistado com a universalização das matrículas no primeiro ano do fundamental, conforme registra a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio Contínua (Pnad), divulgada pelo IBGE em julho último. Isso, apesar do efeito danoso do abandono na empregabilidade, visto que ensino médio concluído é, hoje, um dos requisitos básico na contratação para vagas formais.

Ainda de acordo com a Pnad: 23% dos 47,3 milhões de brasileiros com idade entre 15 a 29 anos não estudam ou trabalham — a triste geração nem-nem —; 13,5 estão ocupados e estudando; 28,6% só estudam; e 35% apenas trabalham. Se o acesso à escola melhorou, o que motivaria a evasão escolar? Uma das respostas está na análise da economista Laura Müller Machado, coautora do estudo Consequências da Violação do Direito à Educação (Insper-Fundação Roberto Marinho, 2020). Para ela, um dos principais motivos é a necessidade de reforçar o orçamento familiar. Só que, na maioria das vezes, o jovem despreparado e fora da escola só conseguirá ocupação informal, sem vínculos ou proteção social e exposto a vários riscos.

O pior é que os efeitos da baixa escolaridade continuam a se manifestar a longo prazo, pois pessoas com ensino básico incompleto recebem remuneração de 20% a 25% inferior à dos colegas diplomados. Há, ainda, outros prejuízos para o país, como o reflexo na qualidade da mão de obra e a perda estimada acima de R$ 370 mil por não concluinte, somando mais de R$ 214 bilhões ao ano, segundo o estudo do Insper.

Como seria inevitável, a covid-19 tem forte potencial para jogar ainda mais abaixo o nível de escolaridade dos futuros profissionais. Tanto que a pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, idealizada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), indica que 28% dos entrevistados pensam em deixar os estudos; 52% não pretendem fazer o Enem; e 34% estão pessimistas em relação ao futuro. O que é de lamentar, mas não surpreende, considerando os efeitos da pandemia nas famílias e na trajetória escolar.

O tamanho do problema indica que a solução só virá com a cooperação de governo, empresas e terceiro setor e só ganhará rapidez com a utilização de instrumentos já existentes e testados. É o caso da Lei da Aprendizagem (nº 10.097/2000), que, nos 20 anos de vigência, comprovou eficácia na formação de jovens para o mercado de trabalho, assegurando proteção legal, renda sustentável e condições para que o jovem permaneça na escola.

Pesquisas e estudos conduzidos por institutos renomados, como Datafolha, Ibope e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP, confirmam que o alcance dos benefícios da aprendizagem vai além, como revelam os exemplos a seguir. Os jovens são motivados a avançar até o ensino superior. Adquirem posturas profissionais e cidadãs, indispensáveis na carreira futura. Transformam-se em canais de transmissão de conhecimentos que melhoram a vida do núcleo familiar e da comunidade onde se inserem.

Pesquisa do Datafolha com ex-aprendizes (como as outras, disponível no site do CIEE) endossa as afirmações: 81% contribuíam com o salário para o orçamento da casa, mesmo antes da inserção efetiva no mundo do trabalho; 56% estavam trabalhando; e 43% já haviam iniciado a faculdade. Avaliação deles: mais de 90% recomendam com nota média de 9,6 a participação de outros jovens em programas de aprendizagem.

Uma baianinha, a aprendiz Manuela Bernardini, foi além da recomendação: arregaçou as mangas, lançou uma petição pelas redes sociais e coletou mais de 50 mil assinaturas em apoio a uma proposta do CIEE (já entregue ao governo federal e à espera de resposta) que viabiliza a contratação de até 400 mil novos jovens aprendizes por empresas.

No entanto, não podemos ignorar que pesquisas e reivindicações só ganham valor se não forem engavetadas, mas usadas como subsídios sólidos e confiáveis para a ação, por mais desafiadora que ela seja. E a construção do futuro das novas gerações é, com certeza, um dos nossos maiores desafios.

* Humberto Casagrande é engenheiro e CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)

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