Visão do Correio: Tímida reforma

Antes de mais nada, impõe-se que setor público seja eficiente e capaz de produzir políticas públicas eficazes que reduzam as profundas desigualdades que fraturam a unidade do país

Correio Braziliense
postado em 05/09/2020 21:09 / atualizado em 06/09/2020 11:04
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

A reforma administrativa, enviada à Câmara, pelo governo federal, se aprovada até o fim do ano, não terá nenhum impacto nas contas públicas, hoje arrasadas com os gastos impostos pela pandemia do novo coronavírus. As mudanças só serão aplicadas para os futuros servidores. No ano passado, foram gastos R$ 109,8 bilhões com a categoria — um valor próximo à previsão do deficit fiscal para 2020 — R$ 124 bilhões — antes da crise planetária na saúde.

Reconhecida como medida essencial ao equilíbrio das contas públicas, as mudanças propostas foram bem avaliadas por especialistas. Ela elimina um conjunto de penduricalhos que elevavam os ganhos salariais de algumas carreiras, muitas vezes, a valores superiores ao teto constitucional — R$ 39.293, que corresponde ao salário bruto de ministros do Supremo Tribunal Federal. Além disso, há servidores que exercem as mesmas funções, em cargos com nomenclaturas diferenciadas, o que garante a uns salários mais elevados. O projeto pretende corrigir essa e outras distorções. O total de 117 carreiras poderá ser reduzido a 30, com as mudanças.

O projeto ficou restrito ao Poder Executivo, que emprega 1.131.820 profissionais — 764.293 civis e 367.526 militares —, segundo o portal da Transparência. Há, ainda, 6.591 cargos comissionados, ocupados sem vínculo com o serviço público e 90.418 preenchidos por servidores de carreira. Os militares e funcionários dos poderes Judiciário e Legislativo não serão alcançados pelas mudanças, o que os mantêm em situação privilegiada, embora todos sejam considerados servidores públicos, mas com rendimentos superiores, em média, aos do Executivo. Os funcionários do Judiciário ganham, em média, R$ 12.081, os do Legislativo, R$ 6.025, e os do Executivo, R$ 3.895, segundo o Atlas do Estado Brasileiro, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em dezembro do ano passado.

A pretendida economia de gastos com pessoal ignora as despesas com mordomias em todos os Poderes da República, como cartões corporativos, carros oficiais, moradia funcional, verbas de gabinete e tantas outras despesas que pesam no caixa da União e são mantidas pelos contribuintes, sem qualquer contrapartidas que supram as necessidades dos cidadãos.

Para que ocorresse uma reforma administrativa ampla, todos os Três Poderes teriam que, igualmente, dar uma cota de contribuição. Mas não é isso que ocorrerá. O peso das mudanças recairá somente sobre quem ingressar no serviço público, inclusive com a perda da estabilidade, o maior atrativo do setor público. O fim da estabilidade é questão polêmica, pois o servidor perderá autonomia e estará submetido aos interesses do governo eventual. Emitir um parecer contrário poderá lhe custar emprego.

Caberá, portanto, ao Congresso uma avaliação crítica e rigorosa dos impactos da reforma na estrutura do Estado brasileiro. Não há dúvida de que enxugar a máquina do setor público é importante, desde que não comprometa a oferta de serviços essenciais à sociedade, nem permita que critérios subjetivos sejam utilizados como instrumentos políticos ou ideológicos. Antes de mais nada, impõe-se que setor público seja eficiente e capaz de produzir políticas públicas eficazes que reduzam as profundas desigualdades que fraturam a unidade do país.

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