Opinião

A Escola Brasil

Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.

» CRISTOVAM BUARQUE Professor emérito da UnB
postado em 08/09/2020 08:00 / atualizado em 08/09/2020 08:17
 (crédito: Gomez./CB/D.A Press)
(crédito: Gomez./CB/D.A Press)

No próximo ano, a Lei do Ventre Livre completa 150 anos e o Fundeb será incorporado à Constituição depois de 13 anos como lei provisória. O Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.

Cento e cinquenta anos separam essas duas leis positivas, porém insuficientes. A extinção do Fundeb teria sido uma catástrofe, mas sua continuidade não vai trazer a educação de qualidade de que necessitamos, nem vai fazer com que as escolas sejam igualmente boas para todos.

Da mesma maneira que, em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou, mas não emancipou os filhos dos escravos; e, 17 anos depois, a Lei Áurea aboliu a escravidão, porém, não emancipou os ex-escravos. Elas quebraram as algemas da escravidão, contudo, os libertos continuaram amarrados à falta de educação de base e suas consequências: pobreza, exclusão, racismo e abandono.

Assim também as leis que aumentam recursos federais para a educação diminuíram a penúria, mas não permitiram a qualidade e ainda menos a igualdade no acesso à educação. Para conseguir isso, será necessário oferecer condições para que toda criança, independentemente da renda e do endereço, tenha a chance de concluir o ensino médio, conhecendo muito bem o idioma português e nossa literatura; sabendo falar, ler e escrever pelo menos um idioma estrangeiro; entender e deslumbrar-se com as artes; saber matemática, filosofia e ciências, história e geografia; ser informada e poder opinar sobre o que acontece no mundo contemporâneo; dispor de um ofício profissional que lhe permita emprego qualificado; ter consciência de seus direitos e deveres e estar pronta para participar da vida social e continuar se educando ao longo da vida.

Para tanto, precisamos implantar um sistema educacional unificado público com duas metas: ficar entre os 10 melhores países em educação e eliminar a desigualdade na qualidade entre as escolas. Isso exige responsabilizar a nação, e não cada município, pela educação das crianças brasileiras, com um ministério comprometido com a educação de base, que coordene a execução da estratégia da nacionalização.

Um caminho seria a “voucherização”, que consiste em repassar uma bolsa com o mesmo valor para cada criança, deixando para a sua família pagar a escola no mercado privado. Esse sistema pode servir em algum momento e lugar, mas não elevaria a qualidade do conjunto, nem diminuiria a desigualdade.

Outra possibilidade seria a “fundebização”, que consiste no “voucher coletivo”, para o prefeito cuidar das escolas públicas. Embora melhor do que a voucherização, a fundebização não dará a qualidade e muito menos a igualdade, porque educação não se compra em loja, e nossos municípios são pobres não apenas em receita, mas também em recursos humanos e gerenciais, além das administrações terem convicções e prioridades educacionistas diferenciadas.

O terceiro caminho seria pela federalização, que consistiria em processo de substituição paulatina dos frágeis quase 6 mil sistemas municipais por um robusto sistema nacional único, com carreira federal para os professores, padrões equivalentes de construção e equipamento das escolas, todas com horário integral. Assegurando descentralização gerencial por escola e liberdade pedagógica para o professor, dentro da Base Nacional Comum Curricular.

Por esse sistema, seria possível implantar Escolas Brasil nos municípios da mesma forma que temos as agências do Banco do Brasil. A estratégia de implantação desse sistema educacional unificado público requer diversos anos e um investimento de R$ 15 mil por aluno ao ano. Se a economia crescer apenas 2% ao ano, em 20 anos o custo total para os 50 milhões de crianças será um pouco maior do que os quase 6% do PIB que são gastos atualmente.

Isso é possível e necessário. A maior dificuldade é formar uma consciência nacional que dê suporte à estratégia nacional de longo prazo e aceite tratar a educação de base como a prioridade central com as duas metas: estar entre os países com melhor educação e não deixar um único cérebro desaproveitado por falta de escola com a máxima qualidade.

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