Opinião

Artigo: Reconstruir melhor no âmbito da alimentação e da agricultura

A FAO desenvolveu um Programa de Resposta e Recuperação para superar os efeitos da covid-19, intensificando e fortalecendo a colaboração internacional

QU Dongyu*
postado em 14/09/2020 10:02
 (crédito: Ascom/Emater-DF)
(crédito: Ascom/Emater-DF)

Como os efeitos da doença causada pelo novo coronavírus (covid-19) pesam na saúde e no
bem-estar da população humana em todo o mundo, não devemos esquecer o imperativo de
produzir alimentos saudáveis e garantir o acesso a eles para todas as pessoas e para cada um
de nós. Os sistemas alimentares que devem fornecer sustento diário para todos os seres
humanos do planeta estão ameaçados pela pandemia. Se quisermos evitar o que poderia ser a
pior crise alimentar da história moderna, precisamos de uma cooperação internacional forte e
estratégica de extraordinária magnitude.

Mesmo antes da pandemia, os sistemas alimentares globais e a segurança alimentar estavam
sob pressão de muitos fatores, incluindo pragas, pobreza, conflitos e os efeitos das mudanças
climáticas. De acordo com o último relatório da FAO sobre o Estado da segurança alimentar e
nutrição no mundo, em 2019 cerca de 690 milhões de pessoas, ou seja, quase uma em cada 10
pessoas no mundo, passaram fome. A pandemia poderia levar mais 130 milhões
de pessoas globalmente à fome crônica até o final de 2020. Além disso, em 2019, 3 bilhões de
pessoas não tinham acesso a dietas saudáveis e sofriam de outras formas de desnutrição.
Devido à pandemia e medidas de contenção relacionadas, já é possível observar interrupções
nas cadeias globais de abastecimento de alimentos, escassez de mão de obra e safras perdidas.

No momento, estamos observando atrasos na época do plantio. Existem cerca de 4,5 bilhões de
pessoas cujos empregos e meios de subsistência dependem dos sistemas alimentares. Essas
pessoas trabalham para produzir, coletar, armazenar, processar, transportar e distribuir
alimentos para os consumidores, bem como para alimentar a si e suas famílias. A pandemia
colocou em risco 35% do emprego nos sistemas alimentares, sendo a taxa de impacto sobre as
mulheres ainda mais elevada.

Os efeitos dessa realidade são imediatos e de longo alcance. Juntos, podemos e devemos
limitar os efeitos prejudiciais da covid-19 na segurança alimentar e nutricional.
Simultaneamente, devemos transformar nossos sistemas alimentares para um futuro mais
resiliente e igualitário. Para reconstruir melhor.

Desde o início da pandemia, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) tem apoiado ativamente os países e os agricultores para que trabalhem em
busca de soluções ampliáveis e sustentáveis que ajudem a garantir uma dieta nutritiva para
todos. Isso forma a base do Programa de Resposta e Recuperação à covid-19 da FAO, que
estabelece sete áreas prioritárias de ação. Porém, para catalisar essas soluções e tomá-las por
base, não basta continuar agindo como antes. As três mudanças estratégicas a seguir devem guiar nossa resposta coletiva.

Em primeiro lugar, precisamos de dados mais eficientes para tomar melhores decisões.
Respostas oportunas e eficazes aos efeitos da covid-19 dependem de saber exatamente onde
e quando o suporte é necessário e a melhor forma de fornecê-lo. Isso significa expandir o
trabalho com dados, informações e análises e adotar uma abordagem de baixo para cima.

A FAO está adaptando e melhorando rapidamente os métodos de coleta de dados nos níveis
nacional, regional e global, em resposta à interrupção dos processos de coleta de dados
causada por medidas de distanciamento físico para conter a pandemia. Por exemplo, a
Organização lançou recentemente o Laboratório de dados da FAO para fornecer dados em
tempo real sobre os preços dos alimentos e análises de opinião. Também desenvolvemos a
plataforma de dados geoespaciais da iniciativa Hand in Hand, que oferece mais de um milhão
de camadas geoespaciais para ajudar a priorizar intervenções dentro dos países. Essas camadas
facilitam os conjuntos de dados visuais afim de fornecer avisos globais antecipados de
potenciais pontos críticos que podem ser afetados por condições climáticas adversas e sua
evolução ao longo do tempo.

Em segundo lugar, devemos aumentar drasticamente a sinergia de nossas ações coletivas.
A crise da covid-19 exige que não apenas nos unamos, mas também que ajamos em uníssono
como nunca. Reunir todos os dados, esforços e recursos disponíveis para uma ação sinérgica,
será fundamental para alcançar uma resposta e recuperação abrangentes, assim como a
colaboração para promover a inclusão econômica, o comércio agrícola e sistemas alimentares
sustentáveis e resilientes evitará futuros surtos de zoonoses –ou seja, doenças transmitidas ao
homem por animais– e garantir uma ação humanitária coordenada.

A pandemia já tem um impacto sem precedentes no comércio global e regional, e o comércio
mundial de mercadorias deve diminuir em até 32% em 2020. Ao contrário de qualquer outra
crise alimentar ou de saúde nos últimos tempos, os efeitos da COVID-19 estão causando
choques de oferta e demanda nos níveis nacional, regional e global, levando a riscos imediatos
e de longo prazo para a produção e disponibilidade de alimentos. Devemos garantir a
conformidade com os requisitos de negócios e melhorar a eficiência no transporte de
mercadorias através das fronteiras. A FAO visa facilitar e aumentar o comércio internacional de
produtos agrícolas e alimentares, com atenção especial ao comércio intrarregional.

Além disso, a prevenção de futuros surtos de zoonoses requer coordenação entre as partes
interessadas de todos os setores relevantes. Inclui-se aqui o setor da saúde, bem como a gestão
nacional e local dos recursos naturais e o desenvolvimento rural, para evitar possíveis surtos
em focos de risco. Para responder a essas necessidades, a FAO e a Organização Mundial da
Saúde (OMS) fortaleceram recentemente o Centro Conjunto FAO/OMS. Este Centro abriga a
Comissão do Codex Alimentarius e reúne especialistas em doenças zoonóticas da FAO, OMS e
outros parceiros e mecanismos de coordenação global para desenvolver capacidades nos países
para prever, prevenir e controlar ameaças zoonóticas.

Uma resposta alimentar e agrícola eficaz à pandemia também requer uma ação humanitária
conjunta, em particular para melhorar os meios de subsistência de pequenos proprietários e
agricultores familiares vulneráveis. Devemos aumentar de forma cuidadosa e apropriadamente
a colaboração e as parcerias entre as entidades das Nações Unidas e entre elas, o setor privado,
a sociedade civil e os principais atores locais. Somente se trabalharmos lado a lado para
alcançar maior coerência e eficiência, poderemos ter sucesso no terreno.
Em terceiro lugar, devemos acelerar a inovação.

Novas estratégias de investimento, tecnologia digital e inovação em infraestrutura são
essenciais para obter melhores dados, aumentar a eficiência na produção de alimentos e
fornecer acesso aos mercados. Nesse sentido, existem muitas soluções no setor privado que
podem ser de grande utilidade para governos e organizações internacionais, que podem ajustar
seus métodos com base na abordagem focada na inovação e orientada para resultados do setor
privado.

A prevenção da crise alimentar não pode esperar pelo fim da crise de saúde, nem podemos
simplesmente esperar retornar aos níveis inaceitáveis de fome e insegurança alimentar que
existiam antes da pandemia. A FAO disponibiliza ao mundo seu poder de convocação, dados em
tempo real, sistemas de alerta precoce e conhecimento técnico. Juntos, podemos ajudar os
mais vulneráveis, prevenir novos choques, construir resiliência e acelerar a reconstrução de
nossos sistemas alimentares.

Juntos, podemos garantir um futuro onde todos tenham uma nutrição adequada. Convido você
a se juntar a nós e fazer parte da solução.

*Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

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