Sociólogos afirmam que os povos têm marcas. Fruto de fatos que lhes carimbaram a trajetória, tornam-se característica contra a qual parece inútil lutar. O traço — tão natural que poucos se dão conta da excepcionalidade — impera em diferentes níveis políticos, econômicos e sociais. Entre os brasileiros, chama-se jeitinho.
Tido por muitos como sinal de criatividade, é prática cujas raízes remontam ao período colonial. Os pobres, impossibilitados de ascender socialmente, convidavam poderosos para lhes batizar os filhos. O “compadre”, então, concedia um ou outro favor aos pais do afilhado.
Até o Congresso apelou para a esperteza. Na busca de atalhos para obter vantagens particulares, criou o “jabuti”. São emendas estranhas ao que dispõe medida provisória ou projeto de lei em tramitação. Como o réptil que dá nome ao procedimento não sobe em árvore, alguém o põe lá. O alguém é o deputado ou o senador.
Foi o que ocorreu com o Projeto de lei 1.581/2020. O texto, aprovado em agosto, regulariza descontos em pagamento de precatórios. Emenda do deputado David Soares (DEM-SP) — filho do fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus — concede perdão às dívidas tributárias de igrejas e templos, além de isenção das contribuições previdenciárias.
Em outras palavras: as igrejas ganhariam triplamente. Ficariam isentas do pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), seriam anistiadas das multas recebidas por não pagar a taxação e ainda perdoadas pelo não pagamento da contribuição previdenciária.
O presidente Jair Bolsonaro vetou parte do perdão das dívidas constantes da proposição. Medida acertada, sugerida pela equipe econômica. Como reconheceu nota a Secretaria-Geral da Presidência da República, “alguns dispositivos não atenderam as normas orçamentário-financeiras e o regramento constitucional do regime de precatório”.
Embora fosse o esperado, pelas redes sociais, o presidente explicou que o veto se impunha para evitar o cometimento de crime de responsabilidade. E sugeriu que o Congresso o derrube. Espera-se que não o faça.
O Brasil precisa reduzir as isenções, que aprofundam as desigualdades e as injustiças que o afastam das práticas republicanas. Se todos são iguais perante a lei, o desafio é outro: pôr fim aos mais iguais. Sem jeitinhos.
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Hábito da leitura
Aprendi a ler e a escrever em casa, com o meu pai, numa das greves da rede pública do Distrito Federal. Lembro que achei difícil. Mas não demorei a me interessar pelos livros. Neta de um escritor e afilhada de um leitor ávido, gostar de ler parecia um caminho natural. E foi. Mas a sede de leitura surgiu assim que terminei o primeiro exemplar de Harry Potter. A partir daí, já estava encantada pelo mergulho na imaginação que um livro proporciona e pela ansiedade de chegar à última página.
Por ter essa paixão pela leitura, seja de livro, seja de jornais e revistas, fico sempre surpresa quando alguém me diz não gostar de ler. Na última sexta-feira, fiquei triste ao perceber que o hábito de leitura está caindo no país. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural, mostrou que, de 2015 a 2018, houve uma queda de mais de quatro milhões de leitores, em sua maioria, das classes A e B.
A pesquisa sai em meio à uma polêmica envolvendo a taxação dos livros, prevista em 12%, na proposta de reforma tributária apresentada pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso Nacional — atualmente, os livros são isentos de impostos. Isso acarretaria no aumento do preço das obras, o que dificultaria o acesso aos mais pobres e também a margem de lucro das livrarias, que, já vivem um momento de crise. A tributação incide em todo tipo de livro, da Bíblia aos didáticos.
Por mais que o estudo mostre essa redução na leitura, também expõe que, diferentemente do que foi pensado e dito por Guedes em relação ao consumo de livros, o hábito de leitura das classes C, D e E, por mais que ainda seja menor do que nas classes A e B, foi o menos afetado. Ou seja, são as pessoas de mais baixa renda que se mantêm firmes na leitura. E são exatamente esses leitores que, caso a reforma seja aprovada com essa parte referente aos livros, os mais impactados e os que poderão, na próxima pesquisa, estar na estatística de queda.
Um país que não lê é um país que renega sua história. Os livros nos dão saber e, mais que isso, nos dão esperança de imaginar dias e narrativas melhores do que as que vivemos. Numa pandemia, então, quem não quer se perder nas páginas de um bom livro?