Opinião

Visão do Correio: Fome sinaliza retrocesso

O país é o segundo maior exportador de alimentos do planeta, atrás só dos Estados Unidos. Em 2019, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,55 trilhão, ou 21,4% do PIB brasileiro

Correio Braziliense
postado em 21/09/2020 06:00
 (crédito: Danilson Carvalho/CB/D.A Press)
(crédito: Danilson Carvalho/CB/D.A Press)

Em casa de ferreiro, espeto de pau. O velho dito popular vale para o Brasil. O país é o segundo maior exportador de alimentos do planeta, atrás só dos Estados Unidos. Em 2019, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,55 trilhão, ou 21,4% do PIB brasileiro. Entre os segmentos, a maior parcela é do ramo agrícola, responsável por 68% desse valor (R$ 1,06 trilhão), e a pecuária, com participação de 32%, ou R$ 494,8 bilhões.

O financiamento da agricultura familiar, responsável por mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, ficou aquém da expectativa dos pequenos e médios produtores. O Plano Safra garantiu R$ 236,30 bilhões (5,7% a mais do que em 2019), mas o governo rejeitou a possibilidade de renegociação de dívidas dos agricultores, como previsto em projeto aprovado pelo Congresso Nacional.

O vigor da agricultura brasileira, com reflexos positivos na economia, não tem repercussão internamente. Depois de ser retirado do mapa mundial da fome, em 2014, o Brasil segue caminho inverso. Hoje, o país abriga 10,3 milhões de brasileiros em grau elevado de insegurança alimentar (passam fome), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A sondagem do IBGE focou as famílias com residência fixa, ou seja, não contabilizou os que vivem em situação de rua, que somam mais 100 mil pessoas, segundo estudo de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para o economista Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos, a maior agência humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU), o país caminha “a passos largos” para retrocesso.

As restrições ao acesso de alimentos, entre outros fatores, têm relação com o crescimento do desemprego — hoje, 13,7 milhões. Os eventuais aumentos de oferta de oportunidades têm sido insuficientes para cicatrizar a chaga social aberta em 2014, quando o país mergulhou na mais grave recessão econômica.

Sem emprego e sem renda, o encontro com a insegurança alimentar tornou-se inevitável. As políticas sociais também se mostraram ineficazes para reerguer o país e mitigar os impactos da crise na economia. Hoje, o governo não tem estratégia para o enfrentamento da fome que se alastra no território nacional.
O auxílio emergencial de R$ 600, reduzido a partir deste mês a R$ 300, não foi suficiente para reverter o quadro de miséria. Pelo contrário. A medida revelou ao país 38 milhões de brasileiros até então na invisibilidade. Mudar o quadro trazido à tona pelo IBGE é desafio que impõe ao governo o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas, tanto no campo social quanto econômico, voltadas ao bem-estar social.

Para isso, as reformas voltadas ao equilíbrio das contas públicas e à abertura de possibilidades de investimentos são mais do que urgentes. São para ontem e não podem ser submissas a interesses outros que não sejam os de desenvolvimento do país com mais justiça e menos iniquidades.

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