Os incêndios que devastaram recentemente o Pantanal — 16 mil focos, segundo o Inpe — foram amplamente divulgados pela mídia do Brasil e do exterior, com cenas apocalípticas de florestas e animais silvestres sendo dizimados pelo fogo.
É esperado que, no Pantanal, na estação seca, haja ocorrência de fogo. Contudo, a magnitude dos incêndios tem apontado para a ação de fazendeiros locais, que ateiam fogo para converter a vegetação natural em pasto ou plantação, com consequências devastadoras para a biodiversidade.
Os impactos das queimadas sobre a biodiversidade têm consequências negativas. Primeiro, ocorre a perda de habitats pela queima da cobertura vegetal. Além disso, a fauna silvestre perde espaço de vida, restringindo os recursos alimentares. Os animais não se distribuem ao acaso na natureza. Cada espécie defende ativamente seu espaço de vida, seu território, por intensa competição. Com o fogo, a relação fauna-flora-ambiente é destruída ou modificada.
Todos os anos, o Pantanal muda de ambiente terrestre para aquático e vice-versa, com perto de 80% das terras sofrendo inundação rasa. Quem visita a região, a pé ou a cavalo, na época seca, não imagina que aquela área poderá estar inundada na época da cheia. Com o início das chuvas, as águas carreiam nutrientes dos planaltos, o que compõe um ciclo biogeoquímico muito produtivo para a biodiversidade da planície pantaneira.
Quando centenas de focos de incêndios destroem ambientes naturais, grande parte da flora e fauna associadas se perde, com interações interrompidas ou alteradas. Adicionalmente, há o fenômeno de modificação da qualidade da água que ocorre no início da enchente. A grande massa de matéria orgânica que resta das queimadas é levada pelas águas da enchente e entra em decomposição, consumindo oxigênio no processo. As águas rasas ficam pobres em oxigênio, acarretando grande mortandade de peixes, fenômeno conhecido como dequada.
O bugio do Pantanal, que é um primata arbóreo e de hábito herbívora, depende da produtividade de folhas novas, flores e frutos das árvores, que, por sua vez, dependem do ciclo das águas para a produção desses itens. As queimadas para desmatamento que se expandem para os planaltos do entorno da planície, onde nascem os rios que abastecem o Pantanal, interferem no regime de inundação da planície, alterando o ritmo sazonal de produtividade das árvores, habitat dos bugios e outros animais silvestres.
As enormes colônias de garças, cabeças-secas, guarás, que se concentram nas águas aprisionadas das baías para se alimentarem de peixes e outros organismos ali abundantes, precisam, também, das árvores próximas para construírem os ninhais, esforço comunal de reprodução sincronizada. Sendo essas árvores queimadas, a reprodução não ocorre. E aqui também, mais uma vez, o prejuízo socioeconômico é evidente, pois, não havendo ninhais para serem fotografados no Pantanal, perde-se um dos motivos para o turismo na natureza.
O fogo que rapidamente devasta os campos na estação da seca, como se viu nos últimos incêndios, destrói os itens alimentares essenciais do cervo-do-pantanal, da capivara e de outras espécies de mamíferos. Há estudos que mostram que espécies de pequenos mamíferos, como roedores silvestres e marsupiais, são espécies especialistas em habitats, isto é, que são muito exigentes em requisitos do local onde vivem, e outras mais generalistas, isto é, menos exigentes. Com o advento dos incêndios, as espécies especialistas desaparecem, enquanto as generalistas ficam mais abundantes, alterando, mais uma vez, as comunidades ecológicas e as interdependências das espécies nos ecossistemas, simplificando o ambiente.
Essas evidências mostram o efeito deletério do fogo induzido pelo homem na biodiversidade do Pantanal. Há sempre o argumento levantado por alguns que o fogo é elemento que ocorre em biomas como o cerrado e Pantanal. Essa evidência, contudo, perde o sentido quando se analisa a escala, a frequência, a intensidade da ocorrência dos incêndios. E, nesta estação de 2020, eles foram de proporção devastadora. O jeito para o Pantanal ter a natureza protegida é conciliar a proteção com o crescimento socioeconômico sustentável.
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