Visão do Correio

Problema que mora no câmbio

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A alimentação dos brasileiros mais pobres está sob forte risco. No momento em que o auxílio emergencial do governo para o enfrentamento da pandemia é reduzido à metade, de R$ 600 para R$ 300, o consumidor brasileiro vê disparar o preço dos alimentos mais básicos da cesta. Em 12 meses, de acordo com números da Fundação Getulio Vargas, o preço do arroz no atacado subiu cerca de 23%; o do óleo de soja, 52,8%.

Altas em produtos básicos são mais sentidas pelos mais pobres, que comprometem parte maior de sua renda com alimentação. O presidente Jair Bolsonaro pediu patriotismo aos donos de supermercados, que também estão sentindo na pele a alta dos preços, e chegou a sugerir que o segmento concordasse em trabalhar com lucro próximo de zero nesses produtos.

Nesse sentido, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, notificou os supermercados a dar explicações sobre a alta dos preços num prazo de cinco dias, sob pena de multa. Os comerciantes, por sua vez, indicam como culpados os produtores e a indústria. Enquanto governo e o setor supermercadista brigam, o verdadeiro vilão segue incólume.

Em agosto do ano passado, o dólar valia R$ 4,02. Um ano depois, flutua em torno de R$ 5,46, uma alta de 36%. Arroz, soja e milho são commodities, com preço fixado em dólar no mercado internacional. Passado o pior da pandemia, Ásia e Europa começam a dar sinais de recuperação e aumentam suas importações – o que também pressiona para cima o preço das commodities. Assim, é muito mais vantajoso vender para fora, o que faz o arroz ficar mais caro nas prateleiras do mercado interno.

É bom lembrar que insumos de produção, como adubos e fertilizantes, também são negociados em dólar e, consequentemente, também estão mais caros.

Como quanto menor é a renda das famílias, maior é seu gasto proporcional com alimentos, é a desvalorização do real — ou a alta do dólar — a causa primordial do desconforto que acomete, hoje, os brasileiros mais pobres, cuja renda já enfrenta as consequências da pandemia — inclusive aqueles que dependem do auxílio emergencial, agora reduzido.

Buscar intervir nas leis de mercado não trará alívio ou solucionar o problema. Mais uma vez, o desfecho eficaz da crise passa pela criação de políticas que pressionem menos o câmbio. O comprometimento com a redução do gasto público e o combate ao assombroso deficit são o caminho para reduzir o nível de risco do país, estabilizar o câmbio e conter a flutuação dos preços das commodities, evitando surpresas nos supermercados e solucionando uma série de outros problemas.

Não há uma solução fácil ou imediata para o problema. Mas seu enfrentamento passa por um firme posicionamento em busca do controle dos gastos públicos rumo ao desenvolvimento. Sem isso, tempestades sempre virão, independentemente das bravatas.