Visão do Correio

Visão do Correio: Abismo na educação

Correio Braziliense
postado em 02/10/2020 22:45 / atualizado em 03/10/2020 08:34

A pandemia do novo coronavírus aprofundou, ainda mais, o fosso existente entre o ensino público e o particular, o que deverá ser demonstrado pelos exames de desempenho dos estudantes, a começar pelo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), em janeiro próximo. As duas modalidades de ensino nunca estiveram tão distantes, como mostram a eficácia, ou não, das aulas remotas durante o distanciamento social e até a adoção, ou não, desse modelo. Na avaliação de educadores, as consequências negativas vão se estender por muito tempo.

Muitos tentaram adiar o Enem sob o argumento de que os jovens não estariam preparados para o teste, mas o governo mostrou-se irredutível e a possibilidade de uma prova mais fácil foi descartada. Com isso, caberá às cotas o papel regulador da entrada na universidade do maior público do Enem, os alunos da escola gratuita. Hoje, é consenso no meio educacional que o sistema de cotas suaviza as desigualdades no setor, mas não promove seu desaparecimento.

Educadores, como o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Conselho Nacional de Educação, José Francisco Soares, lembram que a educação brasileira privilegia o estudante que tem maior nível socioeconômico e condição de pagar um estabelecimento de ensino particular. Na avaliação deles, o setor tem a obrigação de trazer a questão da desigualdade para o centro do debate.

Também chama a atenção dos especialistas o crescimento de um outro tipo de desigualdade, que não era tão grande: a diferença entre os próprios alunos da escola pública. O raciocínio considera os que frequentaram escolas que lidaram melhor com a situação — e/ou tiveram acesso a cursinhos — e os que não tiveram essa oportunidade, o que aumentou a disparidade entre eles. Para o próximo Enem, já estão confirmadas quase 5,8 milhões de inscrições no Brasil

Nos meios acadêmicos, entende-se que ao insistir com o Enem em janeiro, o Ministério da Educação retirou a possibilidade de tentar equilibrar o que foi oferecido para os jovens. “Havia a possibilidade de a prova ser aplicada em maio, o que daria a probabilidade aos alunos do ensino público de tentarem algum resgate de conteúdo no próximo ano”, disse a educadora Daniele Passagli.

O que preocupa é que a distância entre o ensino público e privado continuará sendo muito grande por muitos anos, a partir do momento em que a rede particular se reinventou a partir de recursos que são menos acessíveis para a rede pública. Inegável que os estudantes da escola privada têm, em quase toda sua totalidade, acesso à internet e a computador, o que não acontece com a maioria da escola pública. Daí a necessidade de trazer para o centro do debate, urgentemente, formas de diminuir o abismo responsável pela criação de dois tipos de estudantes no país.

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