Oconstituinte de 1988 adotou a teoria jurídica dos tributos vinculados e não vinculados a uma atuação estatal para operar a resolução do problema da repartição das competências tributárias. Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos são vinculados ou não vinculados. O vínculo dá-se em relação a uma atuação estatal. Os tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições; os não vinculados são os impostos. Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e das contribuições necessariamente implica uma atuação do Estado.
No caso das taxas, esta atuação corporifica ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realização de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a atuação estatal é a realização de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte.
Nas contribuições previdenciárias, é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes. O fato gerador ou o fato jurígeno, como dizemos nós, implica sempre uma atuação estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuições de melhoria e previdenciárias apresentam hipóteses de incidência ou fatos jurígenos que são fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos contribuintes. Com os impostos, as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos jurígenos são fatos estranhos às atuações do Estado (lato sensu).
São fatos ou atuações ou situações do contribuinte que servem de suporte para a incidência dos impostos, como, v.g., ter imóvel rural (ITR), transmitir bens imóveis ou direitos a eles relativos (ITBI), ter renda (IR), prestar serviços de qualquer natureza (ISQN), fazer circular mercadorias e certos serviços (ICMS). Em todos estes exemplos, o “fato gerador” dos impostos é constituído de situações que não implicam atuação estatal, daí o desvínculo do fato jurígeno a uma manifestação do Estado (CTN, arts. 16, 77, 78 e 81).
Doravante Everardo Maciel, velho amigo e ex-secretário da Receita, explica o que está ocorrendo: “Loucura, tem lá seu método” dissera Polônio a Hamlet, segundo a narrativa de Shakespeare. Nos debates sobre reforma tributária e temas conexos consigo perceber as loucuras, mas, ainda, não consegui identificar, caso exista, o método. Merece destaque nessas frequentes insanidades a proposta de criação de uma singular “contribuição sobre bens e serviços”, constante do Projeto de Lei nº 3.887, de 2020, para o qual se requereu urgência na tramitação para, em seguida, abdicar-se dessa urgência sob a patética alegação de desobstruir a votação de “inadiáveis” alterações no código de “trânsito”.
O projeto sequer esclarece se a base de cálculo dessa contribuição seria operações ou receita, preferindo delegar a resolução desse dilema, caso o projeto prosperasse, para o Judiciário, em robusta contribuição ao aumento da litigiosidade no país.
Muito já se disse sobre as impropriedades daquele Projeto de Lei, mas nele há que se assinalar a virtude de expor, em escala reduzida, as mazelas da PEC nº 45, que propõe a instituição de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e um enigmático Imposto Seletivo.
Tenta-se encobrir essas impropriedades evitando mensurar as repercussões dos projetos sobre preços, setores e entes federativos, sob a justificativa de que essas informações “não contribuiriam para o debate” (sic). Prossegue Everardo Maciel: “As mais recentes pérolas desse universo de loucuras são a divulgação de um anteprojeto de lei complementar da PEC nº 45 e discriminação das fontes de financiamento da denominada renda cidadã...
Ao admitir a vulnerabilidade do IVA à sonegação e especial menção ao que ocorre com esse imposto na civilizada Europa, propõe-se condicionar o aproveitamento de créditos ao efetivo recolhimento do imposto na etapa anterior. Há que se reconhecer o ineditismo da proposta, tanto quanto seu surrealismo. Como poderia um contribuinte fixar o preço da mercadoria ou serviço sem saber se seu fornecedor vai recolher o imposto no mês subsequente?
Para administrar o IBS, é proposta a criação de uma Agência Tributária Nacional visando “implementar federalismo cooperativo” (sic), integrada por servidores da administração tributária dos entes federativos e dirigida por um conselho de administração, escolhido por uma assembleia geral, com poderes para eleger uma diretoria executiva. Esse Conselho teria competência para expedir normas infralegais e proceder ao julgamento administrativo tributário por meio de um órgão denominado “Contencioso Tributário”. Há também alusão, não traduzida no texto do anteprojeto, a um Conselho Consultivo Empresarial. Na história da administração tributária, não me recordo de uma proposta pior do que essa.
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