A sociedade anseia por um país que combata e puna a corrupção com seriedade, por serviços públicos que funcionem. Porém, na contramão disso, o que tem sido visto é o ataque ao serviço público em geral, inclusive aos órgãos de controle, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas. Ao MP, os ataques são incisivos e à luz do dia, e vêm em forma de medidas de conteúdo intimidatório aos agentes. Já aos TCs são de forma indireta, a partir de decisões judiciais que, aos poucos, vêm retirando competências conferidas pela Constituição, o que se dá em razão da inobservância do princípio da simetria constitucional.
Há 32 anos, a Lei Maior ampliou as competências dos TCs, mantendo, dentro de um só órgão, as funções de investigar (auditoria e instrução), de parquet e de julgar, dotando-os dos meios necessários: além de um MP de Contas e um colegiado julgador (ministros e conselheiros), determinou um quadro próprio de pessoal, na única passagem em que o constituinte faz uso dessa expressão. Para tal, são selecionados agentes por concurso público, com nível superior como requisito mínimo, para atuar com toda a tecnicidade, independência e regularidade que a função de auditoria e instrução processual exige. Esse sistema complexo exige cuidado redobrado, conforme decidiu o constituinte originário.
Disfunções nos quadros de pessoal dos TCs, embora não sejam notadas pela população, são prejudiciais ao controle. Cargos comissionados são, em grande medida, preenchidos com critérios políticos, o que, por si só, poluem o poço de imparcialidade do servidor e da atuação institucional. É contraintuitivo esperar que um servidor nomeado por vontade de alguém possa auditar as contas daquele que tem força e poder para tirar-lhe o cargo, ou de quem este deseje proteger.
Absurdos assim ainda são verificadas em alguns Tribunais de Contas até hoje, em descompasso absoluto com as regras e garantias processuais, visto que a função investigativa de auditoria e instrução, essencial aos processos e decisões dos TCs, por princípio básico de isonomia, autoridade e independência, deve ser feita, única e exclusivamente, por auditores de controle externo, selecionados por concurso público.
Caso esse paradigma não seja respeitado, torna-se possível anular os atos de investigação, acusação e julgamento, por vício de competência ou comprometimento da imparcialidade. Defender, portanto, que o devido processo legal seja seguido ao pé da letra é defender que os corruptos possam ser punidos; os inocentes, inocentados, e que a justiça seja efetivamente imparcial, técnica e fiel ao que dizem a Constituição e as leis, velando pela regular aplicação dos recursos arrecadados do contribuinte.
Importante frisar que não se trata de ataque a servidores comissionados, mas de respeito à Constituição: a quantidade dos cargos comissionados não pode ser desproporcional, não podem ser desviados para atividades técnicas e finalísticas, não podem usurpar competências de cargos efetivos. Além da simetria, a Constituição determinou que os Tribunais de Contas devem dispor de um quadro próprio de pessoal, e o TCU possui apenas 28 cargos em comissão. Cargos comissionados em excesso representam risco de influência política dentro de órgão que deve gozar de total independência.
Em recente julgado, aliás, o STJ (REsp 1.511.053) consolidou o entendimento de que “a contratação de comissionados para cargo técnico é ato de improbidade administrativa”. Não há como esperar efetividade dos TCs sem a profissionalização e regularidade da função finalística de auditoria e instrução processual, conformada ao texto constitucional, às decisões dos tribunais superiores, às normas internacionais de auditoria, sem desvios, sem usurpação de competências.
O aperfeiçoamento dos TCs passa pela redução do quantitativo e estabelecimento de critérios objetivos para os cargos em comissão, evitando-se o fatiamento de cargos públicos por interesses pessoais ou políticos.
A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) não defende poder absoluto aos auditores de controle externo. Defende que o devido processo legal seja cumprido, que o conflito de interesses seja mitigado. Diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos, 2020 será lembrado pelo grande volume de verbas destinadas ao combate da pandemia de covid-19.
Quanto mais técnica, imparcial e regular for a fiscalização pelo Tribunal de Contas, mais eficiente e efetivo será o benefício à população, pois o uso do dinheiro público deve ser feito sem preferências políticas.
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