O trabalho por aplicativo – regulamentar o regulamentado

» EDUARDO PASTORE Mestre em direito das relações sociais
postado em 05/10/2020 08:07 / atualizado em 05/10/2020 08:09
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Se trabalhadores por aplicativo fossem empregados, bastaria que tivessem registro em carteira para que pudessem usufruir das proteções da CLT. Lá estão todos os direitos, tais como 13º salário, FGTS, férias, horas extras. Então, por que eles não têm a proteção da CLT? A resposta é simples: porque não são empregados.

Não sendo empregados, são o quê? Trabalhadores autônomos. O trabalhador tipicamente subordinado não pode definir a jornada de trabalho, o trabalhador por aplicativo, sim. O trabalhador tipicamente subordinado não pode indicar outro na sua ausência, o trabalhador por aplicativo, sim. O trabalhador tipicamente subordinado não pode decidir se hoje vai trabalhar ou não, o trabalhador por aplicativo, sim.
O trabalhador tipicamente subordinado não pode se desconectar da plataforma à qual está prestando serviços e ir para outra, o trabalhador por aplicativo, sim. O trabalhador tipicamente subordinado não pode decidir para quem vai trabalhar, o trabalhador por aplicativo, sim.

Ah, mas o trabalhador por aplicativo se subordina aos algoritmos, às ordens de quem o manda entregar comida na porta da residência de um terceiro, por isso é empregado. Não. Se assim fosse, todo trabalhador autônomo — advogado, taxista, engenheiro que ganha por projetos, empreiteiro na construção civil, que presta serviços — estaria automática e naturalmente subordinado a alguma coisa, dando margem para entendê-los como empregados.

Se assim fosse, não existiria mais trabalhador autônomo, vez que todos, absolutamente todos, ao executarem seus serviços, precisam atender ao escopo do trabalho a ser realizado, o que não significa dizer que são subordinados.

Ah, mas quando o trabalhador se vincula a uma plataforma, deixa de ser autônomo porque obedece a ordens do dono da plataforma. Mais uma vez, não. A autonomia de todo e qualquer trabalhador vai sempre se encontrar com quem paga, contrata e estabelece algumas regras para a execução do serviço, o que não quer dizer que haja subordinação nos moldes do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, que define a figura do empregado com o elemento que caracteriza a subordinação que é a fidúcia, fidelidade, típico de trabalhador empregado.

Os tribunais do trabalho brasileiros já estão caminhando para o não reconhecimento de vínculo de emprego de trabalhadores autônomos de táxis, entregadores de mercadorias e de alimentos em residências, e entre outros. O desafio aqui é: entendendo os trabalhadores em plataformas como autônomos, como protegê-los frente aos acidentes do trabalho, aposentadoria e assistência previdenciária, vez que não são empregados?

A resposta está na Lei Complementar nº 128/2008, que cria a figura do microempreendedor individual. O MEI é o trabalhador que tem proteções sociais de trabalho sem vínculo de emprego, entre eles os autônomos, inclusive os de aplicativos. As proteções do MEI são: aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio- doença, auxílio-reclusão, salário-maternidade, e para a família a pensão por morte.
Em 2019, os motoristas de plataformas digitais por aplicativos foram autorizados a se registrar como MEIs, desfrutando assim de proteções trabalhistas e previdenciárias. Os projetos de lei existentes para regulamentar o trabalho em plataformas, na sua maioria, partem da premissa de que os trabalhadores são empregados, o que, tecnicamente, não são.

Por fim, há que enquadrar as proteções aqui sugeridas para trabalhadores autônomos, que, decorrente dessa condição, usufruirão, sim de proteções previstas na Lei n º 128/2008, sem que com isso haja a presunção de vínculo de emprego. Trata-se das proteções do direito ao trabalho e não do direito do trabalho.

Direito ao trabalho são proteções contidas nas normas de ordem pública, que protegem bens indisponíveis dos trabalhadores, quer sejam empregados, quer sejam autônomos, como saúde e segurança. MEI é o caminho seguro para a regulamentação do trabalho em plataforma, vez que já previsto no ordenamento jurídico.

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