No momento em que o país se concentra no debate sobre a reforma tributária e seus impactos na economia, vislumbramos uma oportunidade única de enfrentar o grave drama da evasão de impostos resultante do mercado ilegal. A estrutura tributária desequilibrada contribuiu para que o governo deixasse de arrecadar R$ 62,4 bilhões em receitas fiscais na última década somente com os cigarros ilegais, segundo levantamento da Oxford Economics. Apenas em 2019 foram mais de R$ 12 bilhões evadidos, e o montante segue crescendo junto com o mercado ilegal.
É necessário e urgente encontrar formas de acabar com a marginalidade e a vitalidade financeira das organizações criminosas, que hoje dominam 57% do mercado de cigarros no Brasil, segundo o Ibope, e deixam rastro de sangue e corrupção. O lucro do cigarro ilegal é usado para financiar a compra de armas e o tráfico de drogas, inflamando ainda mais a violência no país. A boa notícia é que, com a reforma tributária, o governo tem nas mãos a possibilidade de sair na frente na guerra contra o contrabando e, ainda, aumentar a arrecadação do país.
Atualmente, seis em cada 10 cigarros consumidos no Brasil são ilegais. A maior parte (49%) é contrabandeada do Paraguai. Enquanto importamos o crime, exportamos os empregos. Ainda segundo a Oxford Economics, em 2019, a indústria legal deixou de gerar 27 mil empregos diretos e indiretos, número maior que os empregos gerados, que somam 25,9 mil. Isso mostra que o mercado acaba diminuindo a capacidade produtiva, uma vez que precisa competir com o mercado ilegal, que domina o consumo nacional.
A verdade é que nos tornamos um mercado grande e atrativo para o crime organizado. A margem de lucro do cigarro do crime é muito elevada em comparação ao produto legal. No Paraguai, o cigarro tem a menor carga tributária do mundo (18%), enquanto a indústria legal brasileira arca com alíquota de 71%, uma das mais altas.
Há cinco anos, houve um aumento da tributação sobre o cigarro (IPI e ICMS) com o objetivo de arrecadar mais e desincentivar o consumo do produto no país. O efeito foi inverso: só diminuiu o consumo de cigarros legais e disparou o do ilegal e, consequência óbvia, a arrecadação tributária caiu.
Na prática, o reajuste nos preços de venda do cigarro refletiu na adesão do consumidor, especialmente os de baixa renda, às marcas ilegais mais baratas, porque não pagam impostos. Um reequilíbrio tributário contribuiria para aumentar a arrecadação para os cofres públicos e diminuir a receita de organizações criminosas. Também teria impacto na recuperação das indústrias nacionais. Em outras palavras, para o Brasil voltar a regularizar o mercado do tabaco e conter o contrabando, não há espaço para aumento de impostos.
Importante salientar que tivemos avanços nos últimos anos, especialmente neste governo, no enfrentamento ao crime organizado, com destaque para o programa Vigia e a Operação Hórus, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que se tornaram referências no combate ao contrabando, por meio de trabalho integrado entre as Polícias Federal, Rodoviária Federal e Estaduais em parceria com a Receita Federal. Porém, para combater o contrabando de modo eficaz, além das ações de repressão, detendo a oferta de cigarros do crime, é fundamental criar um ambiente propício para diminuir a demanda, reequilibrando o sistema tributário.
As discussões para tornar mais eficientes os modelos de tributação de cigarros precisam estar inseridas na nova agenda da reforma tributária — com impactos diretos na redução do mercado ilegal. Essa é a chance de recuperar bilhões em impostos que hoje deixam de ser recolhidos e, ainda, desestruturar a enorme cadeia da criminalidade. O equilíbrio da carga de tributos se torna, além de ferramenta imbatível no combate à concorrência desleal e criminosa, um propulsor da melhoria do ambiente de negócios, com incentivo à criação de renda, emprego e aumento da segurança para os brasileiros.
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