Visto, lido e ouvido

Circe Cunha (interina)
postado em 07/10/2020 22:22

Rios de dinheiro

Desde tempos imemoriais, e por razões óbvias, a humanidade buscou se estabelecer e desenvolver suas cidades ao longo dos cursos de água potável. Dessas civilizações antigas fundadas às margens dos rios, o destaque são os egípcios, ligados ao Rio Nilo, os mesopotâmicos, fixados no vale fértil entre os rio Eufrates e Tigre, e os hindus, assentados ao longo do sagrado Rio Ganges. No Brasil, o grosso das nações indígenas, também ergueram suas aldeias próximas aos grandes cursos d’água doce. Essa relação de dependência da água era reconhecida e, por isso mesmo, os rios eram adorados como verdadeiras divindades, fertilizando e irrigando as terra, tornando-as propícias para a prática da agricultura, para a pesca, para os transportes, para a fabricação da cerâmica, entre outras dádivas de vida trazidas pelas corredeiras d’água.

É sabido, ainda, que algumas culturas simplesmente desapareceram devido às secas prolongadas e consequente extinção dos cursos d’agua, como parece ser o caso de Ankor, na Ásia, um complexo urbano erguido no século 8, com uma área que se estendia por aproximadamente 650km e onde viviam mais de 750 mil habitantes. Milhares de anos depois, a humanidade continua dependendo desses mesmos recursos naturais, mas com uma diferença significativa e preocupante: o aumento da população e da produção de bens tem levado não só ao esgotamento acelerado desses recursos, como tem provocado uma crescente poluição das águas, tornando-as impróprias para o consumo humano.

O descaso com importantes rios se repete Brasil afora, inclusive, afetando o maior rio do planeta em volume d’àgua, o Rio Amazonas. O Nordeste convive, hoje, com a maior seca dos últimos 30 anos. Calcula-se que mais de 100 importantes cidades nordestinas estão enfrentando um sério colapso no abastecimento de água. A escassez de água tem prejudicado a agricultura e a geração de energia. “As ruínas de várias cidades afundadas com a construção das hidroelétricas no rio São Francisco reapareceram. Minha Bem Bom, minha história e dos meus antepassados estão aqui neste local”, conta Iranido, artista plástico que reencontrou seu passado no chão rachado pela seca. “É difícil compreender. Agora a natureza anda cobrando a ganância dos homens do poder”, diz o morador do povoado de Bem Bom, na Bahia.

Projetos importantes como a produção de frutas variadas ao longo do Rio São Francisco, estão sendo reorganizados ou simplesmente abandonados, tragados pela seca incomum. Cerca de 50 milhões de brasileiros nas regiões Sudeste e Nordeste estão com o fornecimento de àgua e luz comprometidos ao extremo. Trata-se de uma situação que tende a aumentar. Para um país que até a pouco tempo se gabava da quantidade e variedade de suas bacias hidrográficas, a situação está, literalmente, no vermelho. O pior é que tanto o governo quanto a população parecem indiferentes ainda com a atual situação e seguem ou com políticas insuficientes para o problema ou, no caso da população, consumindo nos mesmos níveis anteriores.

Um quinto dos brasileiros convivem, hoje, com os efeitos da estiagem prolongada e insuficiente de chuvas. A maioria das bacias hidrográficas da região Nordeste e Sudeste está sob séria ameaça de existência, com os níveis dos reservatórios abaixo do normal. Trata-se da menor média histórica na quantidade de chuvas. Importantes áreas urbanas já convivem com o racionamento no fornecimento de água.

O comprometimento para a produção de energia elétrica tem estendido seus efeitos para a produção industrial e agrícola, ocasionando prejuízos ainda não calculados para a economia dos estados afetados. No ano passado, 1.280 municípios de 13 estados do Sudeste e do Nordeste, decretaram situação de emergência pela falta d’água. Neste ano, o número se repete. A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil está, literalmente, inundada com os pedidos de socorro e emergência, vindos de toda parte e ao mesmo tempo.

As práticas de pesca e a navegação no Velho Chico estão, hoje, seriamente comprometidas, trazendo, ainda, mais problemas para a sofrida população ribeirinha. O desabastecimento entrou para o vocabulário das autoridades e da população e em alguns casos este fato é inédito. A captação de água, em alguns dos chamados reservatórios de volume morto, está sendo feita pela primeira vez.

O acidente ocorrido no município de Mariana em Minas Gerais, considerado como o maior acidente ocorrido na área de mineração do Brasil e um dos grandes mundialmente, agora junta forças para tentar reanimar o Rio Doce, agonizando com a perda de espécies animal e vegetal a ainda prejudicando a agricultura e a indústria localizadas ao longo desse rio. Autoridades ligadas ao meio ambiente alertam, ainda, que as 27 barragens espalhadas pela região comportam, ainda, 27 bilhões de toneladas de rejeitos industriais carregados de produtos venenosos que, por falta de fiscalização adequada, podem simplesmente inviabilizar a permanência de população nestas regiões.

Aos poucos o governo federal desenha o futuro da mineração para o próximo triênio. Foi lançado pelo presidente Jair Bolsonaro e o ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque o Programa de Mineração e Desenvolvimento (PMD), que inclui 110 metas com foco na economia mineral, sustentabilidade, conhecimento geológico, investimentos, financiamentos para o setor mineral e exploração em novas áreas. Uma das metas do PMD é a regularização da exploração em áreas indígenas, o que será resolvido pelo Congresso.

A tragédia em Minas Gerais fez acender o alerta sobre o Marco Regulatório da Mineração e mesmo reaver o estatuto que regulamenta a extração de minerais, excessivamente permissivas as grandes e riquíssimas empresas mineradoras, cujo o lobby é poderoso e bastante operante em Brasília. Todo cuidado é pouco.


A frase que foi pronunciada

“ Dinheiro é como água do mar: quanto mais se toma, maior é a sede.”

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século 19


História de Brasília

A informação é do Serviço Social: não dê dinheiro para ninguém comprar remédio. É exploração, porque, para isso, existe o SS no Hospital Distrital. (Publicado em 18/1/1962)

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