Visão do Correio

Pandemia e ciência

Correio Braziliense
postado em 10/10/2020 08:46 / atualizado em 10/10/2020 09:14

Indiscutível que a ciência é a fonte mais confiável de informação sobre a novo coronavírus — a pandemia já provocou a morte de mais de 1 milhão de pessoas no mundo e quase 150 mil no Brasil — quanto à descoberta de uma vacina eficaz ou medicamentos confiáveis para o combate à covid-19. No entanto, a ciência que salva o ser humano também está sendo vítima da pandemia. Muitas pesquisas ficaram esvaziadas, desde o surgimento da doença na China, e outras foram suspensas ou estão definhando. Trabalhos, inclusive, relativos a outras enfermidades, como a dengue e zika, que até pouco tempo eram o centro das atenções dos pesquisadores da área.

Com a chegada da pandemia ao Brasil, houve a necessidade de implementar o isolamento social e todos os recursos disponíveis foram direcionados à descoberta da vacina e medicamentos verdadeiros. Laboratórios ligados a outros temas foram obrigados reduzir, drasticamente, o ritmo de trabalho e alguns fecharam as portas, temporariamente. A realidade é que a pesquisa científica, hoje, encontra-se à míngua como consequência indireta da covid-19 em todo o país e não há perspectivas otimistas a curto prazo.

Na Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Minas Gerais, referência nacional em estudos a partir de veneno de serpentes, aranhas, escorpiões e abelhas, os trabalhos continuam, mas em escala mínima. A situação é bem mais complicada em um dos principais centros de pesquisa da América Latina, o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde 70% da estrutura estão paradas. O instituto é responsável por cerca de 25% de toda a pesquisa da UFMG e responde por 29% das patentes da universidade.

A importância do ICB para a ciência brasileira pode ser medida pelos estudos do Laboratório de Microbiologia Polar e Conexões Tropicais do instituto, presente nos projetos do país na Antártida. Amostras raríssimas são recolhidas no continente gelado e as análises dos cientistas não podem parar porque os micro-organismos têm de ser mantidos em temperaturas baixíssimas. Se os trabalhos pararem, serão anos de experiências perdidos. Um deles procura micro-organismos com poder de combater doenças como leishmaniose, malária e dengue.

Deve-se ressaltar que o Brasil é um dos 29 países signatários de tratado internacional que lhe dá poder de voto e veto em relação à Antártida. Uma cláusula do acordo prevê que os integrantes do mesmo devem fazer pesquisas sobre o continente. Se a produção científica parar, o país perde o direito de decisão sobre o futuro de 10% do planeta, que não pertencem a nenhuma nação. Portanto, impensável interromper trabalho de tamanha magnitude.

O advento da pandemia, na verdade, é o segundo baque que a ciência brasileira sofre em dois anos. Em 2019, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) ficou com R$ 330 milhões a menos no caixa e sem dinheiro para pagar o salário de pesquisadores. O orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi contingenciado e o Ministério da Educação (MEC) anunciou o congelamento de 5.613 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

A pergunta que precisa ser respondida pelas autoridades é a seguinte: estarão garantidos os recursos para educação e pesquisa e para manter bolsistas? O Brasil não pode ser dar ao luxo de ver seus cientistas e estudiosos das mais diversas áreas serem obrigados a ir para o exterior para continuar suas pesquisas. Não se pode esquecer, nunca, que sem conhecimento científico e inovação, nenhuma nação vai prosperar.

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