Visão do Correio

Medida temerária

Correio Braziliense
postado em 12/10/2020 09:05 / atualizado em 12/10/2020 11:16

Grandes avanços não ocorrem por acaso. São fruto de esforço, pesquisa e mudanças na sociedade. O fim da escravidão no Brasil, por exemplo, não se deveu à canetada da princesa Isabel. Décadas de luta e pressão interna e externa prepararam o terreno para acabar com a chaga de 350 anos no país.

Batalhas também árduas foram necessárias para relegar à poeira do tempo o trabalho infantil, a submissão da mulher, a naturalidade do rouba, mas faz. Figura entre as viradas históricas a inclusão, em salas de aula comuns, de crianças com necessidades especiais.

Ficou para trás a prática de isolar meninos e meninas do convívio tanto dos familiares quanto de infantes da mesma idade. A Constituição de 1988 e a adesão a tratados internacionais proporcionaram guinada de 180 graus. Criança com limitação passou a frequentar salas regulares, recebendo ali, sempre que necessário, atenção particular.

O resultado foi ganha-ganha. De um lado, o convívio com o diferente, que educa, humaniza e ensina a tolerância. De outro, resultados surpreendentes de aprendizagem e sociabilidade dos que antes tinham o futuro traçado pelo preconceito e pela limitação de aceitar a diversidade.

A educação inclusiva alterou a paisagem humana de salas, bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas e pátios de recreação de instituições públicas e privadas. No fim do século passado e início deste, havia pouco mais de 380 mil estudantes com necessidades especiais, mas só 81 mil em estabelecimentos regulares.

Em duas décadas, observou-se salto nas estatísticas. O Censo Escolar de 2019 registra a existência de cerca de 1,2 milhão de alunos com deficiência no país – 92% dos quais matriculados em classes comuns. Os números falam por si. Provam que a mudança foi acertada e aceita pela sociedade, que recusa o apartheid na sua face mais cruel.

Apesar do sucesso, porém, em 30 de setembro o presidente da República baixou decreto que institui nova Política Nacional de Educação Especial. Entre as medidas, há a determinação de dar prioridade às escolas regulares, mas passa a incluir as especiais como opção de destino e recursos públicos.

Pais e especialistas se preocupam com o precedente. A brecha abre espaço para retrocessos inaceitáveis. Oferece argumentos para as escolas regulares recusarem estudantes com necessidades especiais sob a alegação de que as especiais estão mais bem preparadas para a missão. Trata-se de filme cuja reprise a sociedade se recusa a assistir.

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