Quem usa cuida

ANTONIO ELIAN LAWAND JUNIOR Bacharel, mestre e doutorando em direito ambiental internacional pela Universidade Católica de Santos e pós-graduado em pedagogia no ensino superior pela Universidade de Tampere (Finlândia), é advogado e professor universitário em São Paulo

Correio Braziliense
postado em 12/10/2020 21:54

A questão da Amazônia é uma das mais recorrentes e polêmicas no cenário global. Tem episódios inusitados, instigantes, peculiaridades e teorias da conspiração suficientemente interessantes para se escrever vários livros de história, ecologia, geopolítica e até de ficção. Há, também, casos diplomáticos inéditos, como os protagonizados por Alexandre de Gusmão e o Barão do Rio Branco, e tentativa de internacionalização, agora esquecida no fundo das gavetas de autoridades das nações ricas do Hemisfério Norte.

Raramente, contudo, a região esteve tão em evidência, inclusive na imprensa mundial, como vem ocorrendo agora, em decorrência das queimadas e do discurso do governo desalinhado da mobilização planetária contra os gases de efeito estufa, combate às mudanças climáticas e preservação da natureza e da biodiversidade. Assim, não foi surpresa o tema estar presente no debate entre os presidenciáveis norte-americanos, em 29 de setembro. Na ocasião, o Brasil foi citado duas vezes pelo candidato democrata, Joe Biden, em razão da enviesada agenda ecológica. Como era de esperar, os bolsonaristas mais exaltados reagiram de modo contundente, embora o presidente tenha amenizado o tom ante a manifestação.

O mais importante, porém, é refletir sobre a política ambiental brasileira e possíveis consequências em futuro próximo. Cabe lembrar que a oferta de US$ 20 bilhões feita por Biden não é, pela perspectiva do Palácio do Planalto, atentado à soberania nacional. Foi o próprio governo federal que, em agosto de 2019, bradou que, se os países desenvolvidos quisessem manter a floresta em pé, que pagassem por isso ou usassem o dinheiro para “se reflorestar”. De imediato, à época, o ministro do Meio Ambiente e, depois, o vice-presidente assumiram as condições de negociação e balizas do Fundo Amazônico para recepção de verbas internacionais. Dessa maneira, zeloso perante o dever de boa-fé internacional, Jair Bolsonaro não poderia comportar-se de maneira contraditória a atos que ele mesmo validou.

Também é pertinente recordar que, em 1941, os Estados Unidos venceram uma arbitragem contra o Canadá sobre danos ambientais causados pela Fundição Trail, regularmente instalada no lado do país vizinho. O caso é considerado um dos precursores do Direito Ambiental Internacional. E o que isso importa? É do Brasil, entre outros centros de estudos, a pesquisa acerca dos fluxos hídricos atmosféricos intercontinentais regulados pela floresta amazônica. O trabalho, que pode ser encontrado em https://doi.org/10.1016/j.jhydrol. 2009.02.043, afirma que a umidade do ar do Sul/Sudeste brasileiro e do Extremo Oeste norte-americano (ou seja, Califórnia) depende da floresta em pé e a capacidade de gerenciar as águas no solo e na atmosfera.

Quanto menos floresta, mais problemas por incêndios e falta de água as duas localidades tendem a enfrentar. Por consequência, mais dinheiro São Paulo e Califórnia gastarão para solver tais emergências ambientais. E é aqui que o caso da fundição ganha significado novamente. Se o Canadá foi condenado por dano ambiental acerca de uma atividade legalizada, quanto mais o Brasil, que pode ficar exposto por ocorrências de queimadas que, no mínimo, são objeto de crimes culposos. O fato de não ser proibido ter um cachorro não torna legal que o animal lata a noite inteira ou rasgue a roupa do varal das casas vizinhas.

Prudência não faz mal a ninguém. Assim, é atitude sensata ouvir as argumentações de Biden sobre nossa Amazônia. Sempre devemos deixar clara e inegociável a soberania nacional, colocando nossas preocupações, dilemas e reivindicações na mesa de negociação, seja com o democrata ou o republicano, após as eleições. É necessário discutir e nos empoderarmos do expressivo papel geopolítico do Brasil nas Américas e na agenda ambiental da Terra.

Antes desse encontro de cúpula ocorrer, é melhor sabermos responder, no âmbito doméstico, a uma inevitável pergunta: a Amazônia é nossa, mas para quê? E, se é mesmo, precisamos lembrar um velho, objetivo e inquestionável provérbio: “Quem usa cuida”.

 

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