Excluídas da celebração

Cida Barbosa
postado em 15/10/2020 07:15 / atualizado em 15/10/2020 08:00

Segunda-feira foi o Dia das Crianças, mas não foi um dia para todas elas celebrarem, negligenciadas que são em seus direitos. O que festejaram as que sofrem abusos sexuais? Somente no ano passado, 7.923 meninos e meninas de até 11 anos foram vítimas desse crime hediondo, segundo dados do Disque 100, canal de denúncias do governo federal. O que comemoraram as que são espancadas e humilhadas frequentemente, num país que naturaliza castigos físicos e psicológicos?

Que alegria tiveram meninos e meninas impactados pela violência urbana, sujeitos a lesões físicas e psicológicas e até à morte? Em 2020, de janeiro a 12 de outubro, o Rio de Janeiro, por exemplo, somou 20 crianças baleadas: 14 ficaram feridas e seis morreram, conforme levantamento da plataforma Fogo Cruzado. Do total de vítimas, 14 foram atingidas por balas perdidas (três delas não resistiram). O Recife registrou, neste ano, 10 crianças baleadas — de acordo com a plataforma, 80% vítimas de balas perdidas. Duas morreram.

Qual foi a felicidade das que nada têm para comer? No Brasil, em 2017 e 2018, 10,3 milhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar grave — ou seja, passavam fome —, inclusive, crianças. E, note-se, esses números estão defasados, portanto, dá para vislumbrar o flagelo em que muitas delas se encontram agora, com o agravamento da crise econômica e com a pandemia.

O que celebraram as que foram empurradas a trocar as brincadeiras pelo trabalho? O crescimento do desemprego e a consequente penúria das famílias potencializaram o risco do aumento do trabalho infantil. Mas a real dimensão do grave problema é desconhecida no país, porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) não divulga dados a respeito desde 2016. Naquele ano, havia 2,4 milhões de crianças e adolescentes em trabalho infantil. Vale lembrar que o próprio presidente da República faz apologia a essa chaga!

O que comemoraram meninos e meninas que não têm um lugar digno para morar, que não conseguem acesso à educação e à saúde de qualidade? A Constituição, em seu artigo 227, determina que crianças e adolescentes devem ter seus direitos respeitados, com “absoluta prioridade”, por “família, sociedade e Estado”, embora o Estado seja o principal violador da lei.

Temos de dar um basta à crueldade atroz de ignorar a dor de tantos vulneráveis neste país. A proteção integral à infância é responsabilidade de todos nós. É missão nossa — governo, Congresso, Justiça, população — zelar pelas necessidades físicas e psicológicas das crianças, pela segurança delas, para que todas tenham o direito de crescer com amor, cuidado, respeito e dignidade.

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