Superação do dilema

ROBERTO LUIS TROSTER
postado em 16/10/2020 08:25 / atualizado em 16/10/2020 08:41
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

O debate sobre a renda básica e o teto dos gastos mostra por que o Brasil, tendo todas as condições para se desenvolver, é um país em que a abundância para alguns e a miséria para muitos crescem simultaneamente. Um dos motivos é a estrutura tributária, na qual os que têm mais renda pagam proporcionalmente menos do que os que têm menos. Há também distorções nos incentivos a produzir e investir. Pouco é feito para sua correção.

Um trabalhador registrado tem alíquota de até 27,5% de Imposto de Renda acrescida dos tributos da folha do empregador. Já um profissional liberal numa empresa de serviços própria, paga menos da metade. A renda recebida de juros tem, dependendo do tipo de ativo, alíquota efetiva que varia de 0% a 22,5%. Dividendos recebidos por pessoa física não pagam Imposto de Renda.

As propostas de reforma tributária não tratam do Imposto de Renda. Duas delas, parecidas, juntam alguns tributos e contribuições num só, com imprecisões conceituais do que é um fator de produção com o que é valor agregado. A outra é a CPMF rebatizada, que melhora as contas públicas no curto prazo encolhendo o potencial de crescer e gerar empregos no futuro. Muda-se sem mudar o importante.

A trajetória da dívida pública/PIB é arriscada. No ano passado, foi estabilizada em patamar elevado. Por causa da pandemia, em apenas seis meses, saltou 10 pontos percentuais. A deterioração da arrecadação pôs a dívida numa dinâmica perigosa. Há indicadores apontando aumento do custo de rolagem da dívida. A prescrição é de aperto fiscal.

Por seu lado, um em cada seis brasileiros é um sem-sem, sem renda e sem esperança de mudanças na situação. Um absurdo é que o Brasil é um dos maiores exportadores de comida do mundo inteiro e tem dezenas de milhões que não têm o que comer. Necessitam de uma renda mínima. Isso representa mais gastos e, consequentemente, mais dívida e mais riscos de mais uma década perdida.

A proposta deste artigo é solucionar o dilema dívida / renda, fazendo mudanças no Imposto de Renda. Dessa forma, é possível acabar com a miséria e até melhorar a dinâmica fiscal, dependendo das alíquotas adotadas. Exige três ajustes. O primeiro é a implantação do Imposto de Renda negativo. É proposta debatida há décadas.

A sugestão é criar uma faixa inicial de zero a R$ 1.500 com a alíquota negativa de 30%. Ilustrando o funcionamento: supondo um auxiliar de pedreiro que num mês não ganha nada receberia R$ 450, equivalente a 30% de 1.500 – 0. No outro mês, fatura
R$ 800, embolsaria R$ 210, resultado de 30% de 1.500 – 800. Os demais programas assistenciais seriam eliminados.

O segundo componente para que seja viável financeiramente é ajustar o Imposto de Renda ao preceito constitucional de que mesma renda mesma tributação. Para tanto, deve-se igualar a alíquota efetiva paga por renda de juros, de aluguéis, de lucros e do trabalho. Aumentaria a arrecadação.

Se a conta não fechar, o terceiro ajuste é criar uma faixa adicional de Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 20 mil com uma alíquota de 35%. A calibragem das alíquotas pode ser feita pela Receita Federal, que tem todas as informações.

O incentivo a trabalhar é mantido e uma renda mínima é garantida a todos os brasileiros. Os ajustes seriam feitos numa instituição financeira de escolha do beneficiário com informações de tomadores e pagadores de renda. É um sistema simples, com poucas regras, eficiente e fácil de administrar. A sua implantação é rápida e segura.

Para sua operação, o sistema necessita a construção de um cadastro nacional único, usando biometria, que permita a caracterização pessoal imediata e com um único número para cada cidadão, que seria usado por todos os órgãos públicos para fins específicos (tributação, eleições e outros). Isso geraria ganhos de produtividade expressivos e poderia ter mais utilizações, como indexador de um prontuário médico nacional.

A Receita Federal poderia implantar o sistema. Tem capacidade técnica e operacional. Atualmente, há 175 milhões de cidadãos com relacionamentos ativos no Sistema Financeiro Nacional. Faltariam 37 milhões, dos quais 10 milhões de “invisíveis”, que merecem tratamento especial. Há avanços tecnológicos que permitem a rápida implantação. A proposta conferiria cidadania financeira a todos os brasileiros. O momento é oportunidade para acabar com a miséria e abrir a porta para um futuro digno para milhões de brasileiros. É isso.

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