Samba da fraternidade

Irlam Rocha Lima
postado em 18/10/2020 22:25 / atualizado em 18/10/2020 22:25

Vinicius de Moraes, um dos mais celebrados poetas brasileiros, não tinha o dom da premonição. Em 1961, ao escrever a letra de Samba da bênção ele não sabia quem era Jorge Maria Bergoglio, que acabara de graduar-se em filosofia pela Universidade Católica de Buenos Aires. Cinquenta e nove anos depois, o bispo argentino que ocupa o posto mais alto da hierarquia da Igreja Católica, iria recentemente referir-se ao Poetinha, de quem se diz fã, ao citar trecho da música — “A vida é a arte do encontro, embora há tanto desencontro pela vida” —, na encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos, em português). No documento dedicado ao diálogo, divulgado pelo Vaticano, o Papa Francisco faz críticas contundentes ao consumismo, ao liberalismo econômico, à tirania da propriedade privada e a falta de empatia com os imigrantes.

Samba da bênção, de Vinicius de Moraes e Baden Powell (autor da melodia) foi composto no apartamento de um edifício, projetado por Lúcio Costa, no Parque Guingle, no bairro de Laranjeiras, com vista para o Cristo Redentor. Era o início da parceria desses dois reverenciados nomes da MPB, que desaguaria nos chamados afrosambas. Vinicius, ateu de formação católica, a partir dali deixou claro seu envolvimento com a cultura da matriz africana, representada pelos orixás.

Já na letra de Samba da bênção ele pedia para ser abençoado por Senhora “a maior ialorixá da Bahia” e por outros mestres da história da música popular brasileira como Pixinguinha, Sinhô, Cartola, Ary Barroso, Tom Jobim e “os grandes sambistas do Brasil lindos como a pele macia de Oxum” e o maestro Moacir Santos: “Não é um só, és tantos, como o meu Brasil de todos os santos”. O pedido de bênção vem sempre antecedido da expressão saravá, originária da fala de africanos escravizados de línguas bantas.

Mas, foi com os afrosambas, compostos em 1966 e gravados em álbum homônimo no mesmo ano, que a “negritude” de Vincius se acentuaria ainda mais. Tidos como divisor de águas da MPB, eles trazem uma sonoridade que funde elementos dos batuques africanos — como pontos de candomblé e toque de berimbau — com o samba. Entre as oito canções reunidas no repertório chamam atenção as faixas Canto de Ossanha (a de maior sucesso), Canto de Iemanjá, Canto de Xangô e Lamento de Exu.

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