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Opinião: A reabertura das escolas para nova educação

Nesse processo, é imprescindível o diálogo transversal entre as áreas de saúde e educação. As escolas vão precisar de espaços ventilados, bem como de instalações de higiene adequadas

Marlova Jovchelovitch Noleto*
postado em 19/10/2020 06:00 / atualizado em 19/10/2020 08:51
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

O fechamento das escolas devido à pandemia da covid-19 tem causado impactos profundos na vida de crianças e adolescentes. Cerca de 1,6 bilhão de estudantes foram afetados, o que representa 90% da população em idade escolar em todo o mundo. No Brasil, no ápice da pandemia, 48 milhões de estudantes da educação básica ficaram longe das salas de aula, ainda que parte deles estivesse em ensino remoto. A evasão escolar, problema já existente, tende a se agravar, atingindo, sobretudo, os mais vulneráveis.

A Unesco, em conjunto com a Opas/OMS e com o Unicef, alertou para a necessidade urgente de que sejam priorizados investimentos de governos e da iniciativa privada para a reabertura segura das escolas, de acordo com a situação da pandemia em cada localidade. Em conjunto, as organizações lançaram o documento Considerações para medidas de saúde pública relacionadas à escola no contexto da covid-19, que busca orientar os atores nos âmbitos federal, estadual e municipal com recomendações concretas sobre os procedimentos de segurança a serem adotados na reabertura das escolas.

Há medidas específicas para cada nível de transmissão: nenhum caso — área sem casos de covid-19 detectados localmente; transmissão esporádica — área que apresenta poucos casos detectados; transmissão de grupos — área que experimenta casos agrupados no tempo, com localização geográfica limitada ou por exposições comuns; e transmissão comunitária — área que apresenta surtos maiores de transmissão local.

Nesse processo, é imprescindível o diálogo transversal entre as áreas de saúde e educação. As escolas vão precisar de espaços ventilados, bem como de instalações de higiene adequadas. Garantir transporte escolar seguro, com distanciamento social, manter a atenção aos horários de entrada e saída dos estudantes e monitorar casos do novo coronavírus entre crianças, professores e profissionais das instituições de ensino serão ações necessárias entre outras medidas importantes. Deverá ser dada ênfase às habilidades socioemocionais do currículo e preparar os professores para esse trabalho junto aos estudantes, como forma de mitigar a depressão, a ansiedade, o estresse e as dificuldades relacionadas.

Assegurar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4) das Nações Unidas, que estabelece educação inclusiva e equitativa de qualidade, com oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, depende do cumprimento preciso das recomendações. Antes da pandemia, as distorções socioeconômicas presentes no Brasil já impunham barreiras para que atingíssemos essa meta da Agenda 2030, quadro ainda mais complexo quando são considerados fatores como gênero, orientação sexual e status de imigrante ou refugiado, entre outros.

A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais, por exemplo, está em 6,6%, o que corresponde a 11 milhões de indivíduos, dos quais mais da metade vive na Região Nordeste. Segundo dados do IBGE, dos 50 milhões de brasileiros de 14 a 29 anos, mais de 20% não completaram alguma das etapas da educação básica, seja por terem abandonado a escola, seja por nunca terem frequentado uma sala de aula. Desse total, 71% são negros ou pardos. Também no Nordeste, três em cada cinco adultos não completaram o ensino médio.

É importante notar que o marco do abandono precoce ocorre aos 15 anos. Nessa idade, o percentual de jovens que deixam a escola praticamente dobra em relação à faixa etária anterior. O principal motivo da evasão escolar é a necessidade de trabalhar e, com a pandemia, o quadro tende a se agravar. As dificuldades econômicas, bem como as incertezas sobre a abertura de novos postos de empregos formais, levaram muitos jovens a assumir jornada de trabalho para complementar a renda familiar.

É certo que as circunstâncias são desafiadoras, mas há o consenso de que as políticas públicas elaboradas hoje para o sistema educacional devem ser inclusivas para o pleno desenvolvimento de crianças, jovens e adolescentes. A inclusão significa construir caminho que priorize a igualdade de oportunidades, com propostas pedagógicas atualizadas, uso de novas tecnologias para o ensino, capacitação e valorização de professores e gestores e investimentos na infraestrutura das escolas.

O legado de trabalho como esse vai além da aprendizagem. Ele representa mudança de comportamentos, valores e responsabilidades. É educação transformadora, que considera o coletivo muito antes do individual. E essa educação permitirá que as gerações futuras desenvolvam o espírito crítico necessário para se tornarem agentes poderosos das mudanças que buscamos hoje.

*Diretora e Representante da Unesco no Brasil

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