Ao terminamos de ler o decreto, de imediato pudemos constatar que, na sua completude, ele transmite a ideia de retrocesso no processo de inclusão escolar da pessoa com deficiência intelectual. Essa ideia vai se consolidando primeiro, ao percebermos que o inciso VI do Art. 2º traz a ideia de ampliação do público das escolas especializadas, o que, no nosso entendimento, é um retrocesso no processo de inclusão da pessoa com deficiência intelectual em ambientes heterogêneos, pois compreendemos que a escola especial para a pessoa com deficiência intelectual ainda exerce um papel importante apenas para aqueles que necessitam de apoios extensivos e generalizados e, sempre, num processo de inclusão contínuo para a escola comum. Inclusive, os ambientes homogêneos podem prejudicar o desenvolvimento das pessoas que necessitam de apoios menos intensos.
Os incisos VII e X do art. 2º do mesmo decreto trazem a possibilidade de retorno das classes especiais, o que representa a exclusão dos indivíduos com deficiência intelectual na escola comum, podendo reforçar o mito da infantilização e a estigmatização dessas pessoas ao colocá-las em ambientes multisseriados e que não respeitam os seus ciclos de vida.
Também, vemos como falho o conteúdo do inciso VI do art. 3º, que traz a indicação da participação de profissionais na decisão da pessoa e da família em relação ao seu processo educacional, ferindo esse direito de escolha, a partir de uma visão corporativa dos técnicos que, muitas vezes, desconsideram fatores pessoais, culturais e sociais das pessoas com deficiência intelectual.
No art.º 7º, vemos problemas no que se refere à pessoa com deficiência intelectual. No inciso II, entendemos que o decreto transmite a ideia da educação como suficiente para o desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. Entretanto, consideramos que a educação sozinha não o é, pois necessita de ações conjuntas das políticas públicas de saúde e assistência social, numa visão biopsicossocial desse sujeito, o que não acontece e não deve acontecer somente em ambiente escolar.
No inciso VIII, como já pontuamos anteriormente, a volta das classes especiais para esse sujeito é uma proposta de exclusão dentro da escola comum e, consequentemente, impactará negativamente no desenvolvimento das pessoas com deficiência intelectual.
Já o inciso XV do art. 7º trata da possibilidade de serviços de atendimento educacional especializado para crianças com menos de um a três anos de idade. Em nossa opinião, essa medida impacta diretamente no desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual, uma vez que o público dessa faixa etária, ainda não tem o diagnóstico de deficiência intelectual estabelecido. Dessa forma, crianças com atrasos no desenvolvimento devem estar em ambientes educacionais coletivos e heterogêneos (creches) e receber atendimento em serviços de intervenção precoce pela política pública de saúde com o objetivo de prevenir as deficiências.
Por fim, no inciso I no seu art. 8º, o decreto trata de equipes multiprofissionais e interdisciplinares de educação especial, apontando para o modelo de escola clínica, surgido num contexto normalizador e segregado da pessoa com deficiência intelectual, além de ser extremamente caro e com resultados ainda não comprovados cientificamente. Diante do exposto, entendemos que o Decreto nº 10.502/20 tem impacto negativo no processo de inclusão social da pessoa com deficiência intelectual.
*Deputado federal pelo PSDB-MG, presidente da Subcomissão de Educação Especial da Comissão de Educação e ouvidor-geral da Câmara dos Deputados. Membro do Conselho Consultivo da Federação Nacional das Apaes
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