» CREOMAR LIMA CARVALHO DE SOUZA
Fundador da Dharma Political Risk and Strategy, professor universitário e doutorando em política comparada no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
A proximidade da eleição nos Estados Unidos estimula, em meio a uma série de reflexões difusas, a lançar o olhar sobre um desafio geopolítico de crescente importância que corre em paralelo ao pleito. Trata-se da disputa entre os Estados Unidos da América e a República Popular da China no que concerne à ampliação global de suas matrizes de negócios. Do lado chinês, a iniciativa ''Belt and Road'' destaca-se pelo seu impacto midiático e orçamentário. Os Estados Unidos, por sua vez, de forma mais discreta, porém com o mesmo nível de pragmatismo, tem buscado contrapor-se ao avanço chinês na nossa região por meio de créditos a países latino-americanos.
De investimentos em óleo e gás, passando por infraestrutura e financiamento para redes 5G, Washington tem se utilizado do DFC (U.S. International Devolopment Finance Corporation), seu banco de desenvolvimento, como instrumento estratégico do governo norte-americano na região e além dela. Vale destacar o fato de que o crédito está vinculado a uma percepção de segurança nacional, ou seja, os projetos, em geral, estão diretamente ligados a um elemento de interesse geoestratégico do governo norte-americano. E a competição com a China, vista como rival em ascensão, é a força motriz por trás na utilização do DFC como instrumento geoestratégico.
O panorama da competição geoeconômica e geoestratégica mais importante do século 21, com potencial de moldar a ordem internacional atual e futura, é composto pelo movimento liderado por Washington e Pequim com o interesse de gerar relacionamentos preferenciais com países mundo afora, vinculando-os não apenas por meio de laços políticos e diplomáticos, mas também via investimentos e integração em suas respectivas cadeias de valor. É possível afirmar, neste aspecto, que a ação dos EUA é movimento reativo a um processo que vem sendo desenvolvido pelo governo chinês ao longo dos últimos anos. Ambas iniciativas, cada uma a seu modo, possuem elementos que devem ser levados em consideração.
Do lado chinês, identifica-se a necessidade de Pequim em conseguir manter um fluxo de mercadorias e bens de toda ordem que mantenha o crescimento de sua economia e a melhoria de vida constante de um bilhão de cidadãos. Do lado americano, percebe-se o enorme receio da Casa Branca de que os EUA sejam eclipsados pelo crescimento chinês. Tais percepções e necessidades, que se iniciam no campo econômico, acabam se desdobrando no tabuleiro geopolítico. O temor de perda de liderança política, militar, econômica e tecnológica tem empurrado o establishment político a adotar ações de contraposição à China, seja para contê-la dentro de parâmetros aceitáveis, seja para derrotá-la na corrida mundial pela liderança.
O Brasil, que fez uma escolha estratégica sob Bolsonaro de alinhamento com o governo Trump, torna-se parte desse processo de maneira passiva. É óbvio que qualquer governo eleito tem o direito de guiar a política externa seguindo seu programa de governo vitorioso nas urnas. No entanto, toda ação ou posicionamento daí derivado deve levar em conta um panorama mais amplo das tendências internacionais e seus desdobramentos, buscando manter, sempre que possível, autonomia decisória para defender os interesses nacionais, sem automatismos contraproducentes. Ao Brasil interessaria manter certa equidistância, atraindo capital chinês, diversificando exportações para aquele mercado, mas sem descuidar de suas relações com os EUA, inclusive no que diz respeito a oportunidades de cooperação com o DFC.
Uma eventual vitória de Biden não necessariamente levará a uma diminuição da pressão estadunidense sobre a China, mas embaralhará as cartas e pode acarretar forçosamente a redefinição das prioridades de nossa política externa. Se, com um cenário de continuidade de Trump, já seria necessário manter alguma distância para manter capacidade de defender nossos próprios interesses, a vitória democrata promete precipitar o ajuste de nossa política exterior, ao desaparecer a aliança preferencial com o atual líder norte-americano.
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