Opinião

Artigo: Nas eleições, compromisso com o desenvolvimento sustentável é vital

A premissa de que meio ambiente e prosperidade são antagônicos é anacrônica e merece permanecer no século 20

À medida em que se aproximam as eleições municipais de 2020, as cidades brasileiras enfrentam um cenário complexo de riscos e desafios agravados pela crise sanitária, econômica e social gerada pela pandemia da covid-19, que reforça a necessidade da construção de agendas políticas que se comprometam com a justiça ambiental e com o desenvolvimento sustentável.

A premissa de que meio ambiente e prosperidade são antagônicos é anacrônica e merece permanecer no século 20. No mundo contemporâneo, simplesmente não pode haver prosperidade que não seja ambientalmente correta, socialmente inclusiva e economicamente viável.

O estabelecimento de uma relação harmônica entre cidade e natureza deve ser uma prioridade para todos os governos subnacionais do mundo. No Brasil atual  -- que vê seus biomas ardendo em chamas --, a adversidade pode se traduzir em uma grande oportunidade para darmos mais relevância e espaço para a articulação multinível, oferecendo protagonismo aos governos locais e criando mecanismos para que os(as) novos (as) prefeitos(a)s e vereadores(as) eleitos(as) tenham condições para tirar do papel seus compromissos com o desenvolvimento sustentável.

O cenário político global também merece reflexão. Recentemente, eleições no estado mais populoso da Alemanha indicaram um crescimento expressivo da legenda ambientalista local, que deve se refletir nas eleições nacionais de 2021. Nos Estados Unidos, a corrida presidencial se abstém de debates relevantes para o multilateralismo, menos quando o tema é a Amazônia.

Em seus últimos relatórios, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC na sigla em inglês) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) urgem aos governos que adotem medidas mais ambiciosas em relação à preservação da biodiversidade e à diminuição das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

O relatório "Global Biodiversity Outlook 5 (GBO-5)", da CDB, evidencia que apenas seis das 20 metas definidas em 2010 para deter a perda da biodiversidade global até 2020 foram parcialmente alcançadas. A ação insuficiente das nações para reverter degradação de ecossistemas pode comprometer a oferta de água e de alimentos e agravar os impactos da mudança climática. A redução do desmatamento e da degradação tem o potencial de mitigar até 5,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano no mundo, como informa o relatório "Mudança do Clima e Terra" divulgado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os centros urbanos, atualmente, são responsáveis por mais de 70% da emissão global de gases de efeito estufa. Portanto, emerge a necessidade que os governos tracem um plano de ação climática para implementar em seus territórios políticas públicas que levem em consideração o enfrentamento à mudança do clima. Em um momento crucial para a pauta climática, é preciso estimular a adesão do maior número possível de candidatos e candidatas aos cargos de prefeito(a) e vereador(a) a uma agenda política inovadora e corajosa, que tenha na promoção da prosperidade sustentável o seu principal eixo, em busca do bem-estar da população brasileira.

Com atuação na América do Sul desde 1994, o ICLEI é uma rede mundial que reúne aproximadamente dois mil governos subnacionais. A missão de transformar as cidades em ambientes sustentáveis e inclusivos passa pela necessidade de aproximar essa agenda com as ambições dos cidadãos brasileiros, estimulando a sua apropriação pela sociedade civil.

Nesse esforço, em conjunto com organizações parceiras, nasceram iniciativas e documentos como os Guias Temáticos Prepara RAPS 2020, que reúnem 10 pontos prioritários das cidades para a implementação de uma agenda climática e de biodiversidade em seus territórios, com o intuito de apoiar candidatas e candidatos a incorporar princípios de inovação e sustentabilidade em suas propostas.

A série de seminários do "Pacto Federativo: Municípios para Agenda 2030", realizada em parceria com o Instituto Democracia e Sustentabilidade, Instituto de Estudos Avançados da USP, Instituto Ethos e Programa Cidades Sustentáveis, discute a governança política brasileira, tendo como princípio a descentralização proposta pela Constituição Federal de 1988.

Há, também, a "Agenda Urbana Mínima do Clima para as Eleições Municipais", que elenca 10 ações prioritárias vinculadas ao desenvolvimento sustentável a serem consideradas pelas plataformas dos candidatos e candidatas a cargos eletivos em 2020; e as cartas-compromisso do Programa Cidades Sustentáveis, que incluíram a adesão ao Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia como pilar necessário para a construção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.

São claros os sinais de que o mundo está atento às ações ambientais brasileiras, e a oportunidade de buscarmos acordos, trocarmos conhecimento e experiência, financiarmos projetos e criarmos soluções verdes que harmonizem o ambiente urbano com a natureza, gerando empregos e aprimorando a qualidade de vida nas nossas cidades é enorme.

Aterrizando essa reflexão, por mais que a emergência climática seja global, é nas cidades que os seus impactos serão mais sentidos. A próxima geração de prefeitos e prefeitas deve estar comprometida com medidas profundas de adaptação e enfrentamento à mudança do clima, para garantir um futuro em que a vida seja a máxima prioridade!

* Pedro Jacobi é presidente do conselho do ICLEI América do Sul
* Rodrigo Perpétuo é secretário executivo do ICLEI América do Sul