"Ocupemos a imprensa": nossa contribuição

» ANDRÉ RICARDO NUNES MARTINS » DANIELA LUCIANA Integrantes da Comissão de Jornalistas pela Igualda
postado em 06/11/2020 23:26 / atualizado em 07/11/2020 15:56

Neste novembro de 2020, uma iniciativa espontânea que resultou numa parceria fecunda e promissora jornal/sociedade completa um ano. Semanalmente, o Correio Braziliense publicou artigos de pessoas negras, num espectro amplo de temas como educação, eleições, políticas públicas, psicologia, alimentação, saúde, cultura, sempre com recorte racial e expressando a visão de um/a afrodescendente no Brasil.
Sob curadoria de dois integrantes da Cojira/DF e Pretas Candangas/Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, o conteúdo contempla diversidade de gênero, geracional, visão política e graus de ativismo no movimento negro. Muitas vezes foi a primeira vez que o/a articulista teve um texto publicado num jornal diário.
Como a conquista e a consolidação se tornaram possíveis? Esse artigo conta a história dessa ação afirmativa e aponta sua importância como espaço estratégico de inserção de vozes negras no conjunto de narrativas da mídia tradicional.
Em outubro de 2019, a comunidade negra de Brasília deparou-se mais uma vez com baixa e negativa representação na mídia local. Uma nota de coluna social falava de crianças e de seu futuro nesse Brasil do terceiro milênio. Mas, pasmem! O quadro era de uma homogeneidade atroz. Apenas crianças brancas e uma mestiça. De que Brasil se falava? De que futuro?
Uma rápida mobilização encabeçada pela Cojira-DF, reuniu outros representantes do movimento negro, de gente mais experimentada a jovens lideranças. Procuramos a direção do principal periódico da capital do país. Expressamos indignação, apontamos a injustiça racial, a falta de sintonia da imagem e da coluna com a realidade do país e do Distrito Federal. Ora, se somos invisibilizados, se não existimos como sujeitos, se nossa imagem é apagada da esfera pública não é somente nosso futuro que resta comprometido. Nosso presente está em jogo.
A acolhida — em reunião aberta com amplo direito a voz — foi humana e politicamente assertiva. A diretora de redação, Ana Dubeux, pernambucana e brasiliense, mostrou que entende da história do Brasil e da realidade social e política que nos acompanha. Tínhamos argumentos afiados para desmontar acusações de setores retrógrados da sociedade brasileira: (I) Somos a maioria da população no país, um dado objetivo, segundo o IBGE; (II) Temos um arcabouço político e legislativo que rejeita o racismo e a discriminação; (III) Uma representação proporcional, digna e abrangente em todos os setores e ambientes da sociedade, incluindo veículos da grande mídia, abre caminhos para ascensão social e reversão dos efeitos do racismo; e (IV) Somos pessoas trabalhadoras, produtoras e consumidoras do mercado midiático, e isso precisa ser refletido nas redações, nas páginas de conteúdo, nas expectativas de quem faz as pautas e nas fontes ouvidas por aqueles que fazem a imprensa.
Historicamente, a imprensa brasileira apoiou causas progressistas e foi aliada de primeira hora no avanço de políticas públicas. A campanha abolicionista dos idos de 1870 e 80 teve nos jornais e nos jornalistas apaixonados baluartes. A redemocratização dos anos de 1970 e 80 do século 20 contou com a imprensa a denunciar crimes da ditadura.
Naquela tarde, não nos víamos como gatos pingados a desabafar. A imprensa negra existe desde o século 19. O movimento negro sempre denunciou a opressão racial. Muralhas de insensibilidade e indiferença é que barraram protestos e reivindicações. O mea culpa já implícito foi escancarado. Procuramos encetar diálogo sério e propositivo. Menos que isso seria perda de tempo.
O Correio Braziliense se mostrou um concreto aliado no combate à discriminação racial e por uma representação justa, equânime e inclusiva nas páginas do periódico. Cobramos a sensibilização da redação, o engajamento de colegas jornalistas, numa constitucional, a promoção da igualdade racial a beneficiar negros, indígenas, ciganos, judeus, todos/as.
Assim, nos foi garantido esse espaço semanal para publicação de artigos na editoria de Opinião. A curadoria se abriu para a diversidade, abrangendo jornalistas e pessoas de outras áreas, formando um conjunto de textos, ao longo desse ano, em que foi possível expressar a identidade racial, contar histórias, vocalizar anseios, publicar pesquisas, denunciar descaminhos e apontar veredas. Celebramos uma parceria concreta de ação afirmativa na comunicação que demonstra inequivocamente: sim, nós podemos.

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