Nos últimos anos, vários países do mundo registraram avanços importantes para a afirmação e a conquista dos direitos da mulher. Seja no setor público, seja na iniciativa privada, aos poucos, elas vêm ocupando espaços que antes eram majoritariamente ocupados por homens. No Brasil, esses ganhos também ocorreram, mas ainda são incontáveis as barreiras que persistem a dificultar a igualdade de condições entre os gêneros nos espaços de poder.
A campanha eleitoral de 2020 trouxe uma boa notícia: o percentual de candidatas mulheres é recorde. São 179,6 mil concorrentes (33,1%), sendo que, em anos anteriores, o índice não passava dos 32%. Mesmo que pelas regras atuais os partidos precisem reservar, pelo menos, 30% das vagas e da verba de campanha para elas, na política, muitas mulheres ainda encontram dificuldade para serem eleitas ou terem voz ativa nas tomadas de decisões em todo o país. É o sintoma de uma exclusão histórica que ainda resulta na baixa representatividade feminina, também em outros cargos de liderança.
No atual cenário do pleito municipal, a utilização de mulheres como laranjas — candidatos de fachada, que recebem repasses em dinheiro público, que acaba sendo desviado — nas eleições é uma preocupação, assim como a criação de fake news preconceituosas direcionadas às candidatas. Temas pertinentes que vêm sendo discutidos constantemente pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, que vê nas eleições um desafio e uma oportunidade para reduzir a desigualdade nos cargos públicos.
O ministro vem contribuindo com o debate e fomentando ações que inspirem mulheres a entrarem na política. O objetivo é incentivar o protagonismo feminino. Hoje, ainda que as mulheres sejam a metade da população e do eleitorado brasileiro, a representatividade no Senado e na Câmara dos Deputados, esferas federais, não chega a 20%. Nas prefeituras, a representação é ainda menor: apenas 11,6% dos prefeitos eleitos em 2016 são mulheres.
Conforme pesquisa realizada pelo TSE, no Brasil, 52,21% dos eleitores são mulheres, enquanto 47,72% são homens. Portanto, mesmo que a luta das mulheres por seus direitos e pelo exercício da cidadania não seja tão recente, ainda há um longo caminho a percorrer para as devidas mudanças na sociedade.
No clássico Segundo sexo, Simone de Beauvoir descreve as engrenagens que mantiveram a mulher, ao longo dos séculos, sob a tutela masculina. A escritora francesa cita o antropólogo Claude Lévi-Strauss para asseverar que, na maioria das comunidades primitivas, o poder político esteve sempre vinculado ao homem — que encarnava, em si, o conceito da autoridade pública a qual tinha a prerrogativa de exercer. As mulheres, nesse contexto, chegavam a figurar como bens, objetos com valor de troca à disposição de seus proprietários.
Assim, desde o princípio tem sido negada às mulheres, reiteradamente, a possibilidade de governarem a si mesmas. Mas, hoje, a simples existência de mulheres deputadas ou magistradas, por exemplo, autônomas e independentes, desfere um golpe de morte no atraso.
Para a consolidação do Estado verdadeiramente democrático de direito, muito ainda precisa ser feito. Em primeiro lugar, cabe-nos reconhecer a exclusão histórica das mulheres dos espaços de liderança da vida pública. Compete às mulheres, seja na esfera pública ou privada, ocupar, cada vez mais, esses espaços de poder, rendendo, aos poucos, a histórica cultura que, durante muito tempo e ainda hoje, reprimiu e ofendeu diversos direitos do gênero, fazendo prevalecer a falsa impressão de que magistratura e política são espaços privativos à atividade masculina.
A entrega de postos de comando às mulheres se configura, portanto, como um exercício evolutivo, que espelha, pari passu, o estado de desenvolvimento social e humano dos cidadãos. O poder precisa se abrir à ocupação feminina — do contrário, estará condenado a residir, eternamente, no obsoleto. As eleições municipais de 2020 podem representar um passo importante para essa expansão.
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