Almir Pazzianotto Pinto
Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Retalhada por mais de uma centena de emendas, a Constituição de 1988 caminha para o desenlace. Culpa não lhe cabe. A responsabilidade pertence à Assembleia Nacional Constituinte eleita em fatal simbiose com deputados e senadores integrantes de medíocre Poder Legislativo. Foram muitas as advertências de que a Constituinte haveria de ser exclusiva. Registra o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB) comentário redigido pelo hoje ministro Luís Roberto Barroso: “Não prevaleceu a ideia, lançada por segmentos da sociedade civil, de eleição de assembleia constituinte exclusiva, que se dissolveria quando da conclusão dos seus trabalhos. Optou-se pela outorga de Poderes constituintes ao Congresso Nacional, tendo sido admitida, inclusive, a participação dos senadores biônicos — resíduo autoritário do governo Geisel (...)”.
O colapso da Constituição não pode ser produto de golpe que resulte em ditadura militar ou movimento armado. Se for inevitável, a nova lei fundamental será escrita por Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, sem reincidir nos erros cometidos em 1986/1988. Para que tal não aconteça, algumas diretrizes parecem-me indispensáveis.
Para ser boa, a futura constituição será simples, objetiva, com não mais do que uma centena de artigos, acompanhados por breves disposições transitórias, necessárias à passagem de uma para outra. O número de deputados federais não excederá a 250 e de senadores a um por Estado, com mandato de quatro anos. Extirpará a medida provisória pelo caráter autoritário. Eliminará o vice-presidente, o vice-governador, o vice-prefeito. Suplentes unicamente para deputados. Ninguém exercerá mandato no executivo ou legislativo sem a legitimidade conferida pelo voto direto. Em cidades com até 50 mil habitantes, o cargo de vereador não será remunerado. Pela reduzida utilidade e elevado custo deverá ser suprimido o Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda 45/2004.
Desaparecerão o Fundo Partidário, o Fundo de Financiamento Eleitoral, o demagógico horário gratuito de rádio e televisão. A Lei Fundamental não deve, como o faz a Constituição de 1988, prometer estado de bem-estar social que a situação real do país é incapaz de assegurar. Será útil rever o rol dos direitos e garantias fundamentais e o elenco dos direitos sociais. O direito constitucional versa sobre a organização e o exercício do poder estatal e sobre os direitos e liberdades básicas do indivíduo, ensinou Pablo Luca Verdu (Curso de Direito Político, Ed. Tecnos, Madri, 1976, pág. 356). O que não é constitucional será matéria de lei ordinária. De nada vale a Lei Fundamental garantir que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Art. 5º, LXVIII), diante da irredutível morosidade dos tribunais. A presunção da inocência, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, serve para manter em liberdade perigosos criminosos. De que valem promessas de direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação e ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, à convivência familiar dirigidas à criança, ao adolescente e ao jovem, contidas no Art. 227, quando sabemos da situação de extrema pobreza em que se acham dezenas de milhões de brasileiros e conhecemos o número de desempregados?
A Assembleia Nacional Constituinte foi pródiga em promessas que a Constituição não consegue assegurar. Veja-se a definição do salário mínimo, as normas de defesa do meio ambiente desacreditadas pelo desmatamento da Amazônia e pelo incêndio que devastou o Pantanal e a proteção dos indígenas.
A leitura da Constituição é exercício de paciência pela extensão e motivo de revolta pela falsidade. Antes de que o pior aconteça, ao povo deve ser dado a conhecer estudo preliminar elaborado por juristas voluntários, comprometidos com o futuro da nação. Estou convencido de que se lhe for dada a oportunidade de discutir anteprojeto que elimine o que há de irrealizável, que extinga cargos onerosos e desnecessários, que revele a possibilidade da construção do país que almejamos, teremos um movimento nacional pacífico, sereno, mas irresistível para aqueles que defendem os erros cometidos em 1986/88. É desaconselhável esperar a ruptura. Antes que o pior aconteça, deve ser deflagrada cívica campanha favorável à nona Constituição. Como já se sabe, Constituição de 1988 tem o prazo de validade vencido.
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