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Artigo: Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno no enfrentamento à covid-19

Em meio à pandemia, as integrantes da FMNDFE correram risco de contágio para defender que Vidas Negras Importam e para que as vozes, os direitos e as necessidades de 55 milhões de mulheres negras sejam ouvidos e reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal

Adelina Santiago*
Isabel Clavelin*
Lydia Garcia
postado em 14/11/2020 09:25 / atualizado em 14/11/2020 09:25
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Tão logo a doença provocada pelo novo coronavírus foi declarada como pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, e calamidade pública no Brasil, nós, integrantes da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno (FMNDFE), fizemos uma leitura política. Nossa avaliação foi a de que o racismo e o sexismo colocariam o povo negro do DF e do Entorno na linha da morte, do adoecimento, da pobreza, do desemprego e da desassistência social. Em meio a tantas incertezas, não sabíamos quanto tempo levaria para a pandemia acabar, mas sabíamos que seria mais cruel para negras e negros.

As informações que chegavam sobre o impacto da pandemia no povo negro dos Estados Unidos nos colocavam diante de uma angústia intensa, considerando o cenário político do Brasil, a realidade da população negra, especialmente nas periferias, nos morros, nas favelas, nas ruas das grandes e médias cidades, nas comunidades quilombolas e em áreas remotas. Restava para nós, mulheres negras, o exemplo das irmandades negras que, ao longo dos tempos, formaram e mantiveram redes de solidariedade e ação política.

Desde o final de março, reagimos por meio do Plano de Ação da FMNDFE de Enfrentamento ao Racismo e ao Sexismo na covid-19 no DF e Entorno. Buscamos doações financeiras e parcerias para viabilizar a entrega de cestas básicas para vinte famílias chefiadas por mulheres negras no Setor de Chácaras Lúcio Costa, que seguem sem interrupção, incluindo o incremento de alimentos proteicos, itens de higiene pessoal e limpeza. Confeccionamos máscaras de proteção. Arrecadamos cobertas, roupas, calçados e nos mobilizamos para conseguir livros infantis e gibis. Fizemos rodas de conversa-relâmpago sobre prevenção à violência contra as mulheres, câncer de mama, câncer de colo de útero, saúde da população negra. Pela primeira vez, fizemos uma ação em comunidade periférica no Dia das Crianças. Estamos desenvolvendo ação política para o fortalecimento comunitário das mulheres negras e das sujeitas negras nos seus locais de vida por meio da organização política nas comunidades.

Por meio de reuniões on-line, articulamos reuniões organizativas internas da FMNDFE a conversas com parceiras: vencemos a nós mesmas, aprendemos novas funcionalidades tecnológicas, nós nos permitimos a ressignificação como coletivo e expandimos o diálogo com organizações negras Brasil afora por meio das plataformas digitais. Investimos no formato live nas redes sociais da FMNDFE para conferir visibilidade e voz a profissionais de saúde negras e negros do DF e expandimos o rol de assuntos para fortalecer a mobilização da campanha “Povo Negro Unido contra o coronavírus”, ampliando a rede de ação das mulheres negras do DF e Entorno com companheiras negras Brasil afora.

Entre as parcerias no DF, o nosso diálogo com as mulheres negras de Samambaia nos levou à ação urgente de apoio à sobrevivente de tentativa de feminicídio. Arrecadamos materiais de construção e doações em dinheiro para a construção de moradia, ao passo que buscamos respostas junto ao poder Judiciário e à CPI do Feminicídio, para viabilizar apoio efetivo às mulheres negras em situação de violência e em extrema vulnerabilidade social.

Em meio à pandemia, as integrantes da FMNDFE correram risco de contágio para defender que Vidas Negras Importam, para denunciar a insuficiência de resposta dos governos e a vulnerabilidade das mulheres, para combater a intolerância religiosa, para reivindicar o compromisso das instituições públicas contra o racismo, para lutar pela democracia e para que as vozes, os direitos e as necessidades de 55 milhões de mulheres negras sejam ouvidos e reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

A FMNDFE foi para as ruas do DF, para a Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes em atos políticos que demandaram corpos políticos negros para fazer trincheira contra o racismo e o sexismo que se acentuaram em plena pandemia. Seguimos em marcha pelo bem-viver da população negra, em geral, e das mulheres negras, em particular.

Chegamos a oito meses de covid-19 com muito trabalho. Construímos resultados que nos orgulham e nos fazem seguir adiante em meio às incertezas de quando a pandemia se encerrará, mas com a convicção de que não somos as mesmas: somos mulheres negras mais fortes e mais ativas para enfrentar o racismo e o sexismo em qualquer momento, inclusive os de incerteza e de adversidades como os de pandemia.

Adelina Santiago é  professora aposentada; Isabel Clavelin é jornalista; e Lydia Garcia é professora aposentada. Elas são integrantes da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno

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