Até quando a barbárie persistirá contra a população negra brasileira? Até quando policiais, seguranças, indivíduos brancos miscigenados vão agredir e matar, crianças, adolescentes, mulheres e homens negros?
As autoridades se mantêm deitadas em berço esplêndido. Ignoram a realidade de 56,7% da população que são pretos e pardos, vítimas da intolerância, do estupro, da letalidade policial, da indigência social, do desemprego, da fome e da miséria. No Brasil, vidas negras não importam. São imoladas diariamente.
João Alberto Silveira Freitas, negro, 40 anos, foi espancado até a morte por dois seguranças do supermercado Carrefour, no bairro de Passo D’Areia, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, na noite de quinta-feira, véspera do Dia Nacional da Consciência Negra — e pode-se acrescentar: da inconsciência da Poder público.
Um dos seguranças é policial militar temporário. Enquanto João Alberto era espancado, uma mulher filmava a cena animalesca com serenidade. Estava passiva. Nem gesto nem palavra para interromper o brutal assassinato que ocorria diante de seus olhos. A cena de horror viralizou nas redes sociais.
O hediondo homicídio em solo gaúcho não decorreu da desigualdade socioeconômica ou do despreparo dos seguranças, como afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão. Ele garante que não há racismo no Brasil e que “querem importar” esse tema dos Estados Unidos.
Não é preciso importar. O racismo estrutural está instalado desde o século 16 no Brasil. Esse crime inominável é recorrente, devido à leniência e ao descaso dos Poderes da República — Executivo, Judiciário e Legislativo —, com a maior parcela da sociedade: os negros. Resulta da máxima predominante: vidas negras não importam.
As balas perdidas são encontradas em corpos negros, desde a infância até a fase adulta. Os homicídios de afrodescendentes crescem a cada ano. Na década de 2008 a 2018, entre os homens, o aumento dos assassinatos foi de 11,5%, enquanto os de não negros caíram 12%. Entre as mulheres negras, a alta no total de mortes violentas foi de 12,4%; no caso das não negras, houve queda de 11,7%.
A cada 21 minutos, um jovem negro é assassinado no país. Em 2018, 24.728 jovens foram mortos. No ano passado, 35.543 pessoas negras foram vítimas de homicídio. No país, negros e pardos têm 2,7 vezes mais chances de serem vítimas de homicídio. Pouco adianta recorrer às forças de segurança pública. Os negros somam 75,4% dos mortos pela polícia no Brasil.
A negação do racismo é muro que tenta esconder a omissão do Poder público diante dos corpos negros tombados pela violência, a maioria deles por arma de fogo. É a rejeição velada — ou, muitas vezes, explícita — da inteligência e das virtudes de pretos e pardos pelo mercado de trabalho.
Negar a discriminação pela cor da pele é tentativa de fazer prevalecer a hipócrita democracia racial e anular a cidadania dos afrodescendentes, cuja contribuição ao desenvolvimento do país é desprezada pela visão eurocentrista ainda hoje dominante. Assim, o Brasil se mantém com terra fértil para a necropolítica. Até quando?
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Os Brasis da Copa do Brasil
A música Brasis, interpretada por Seu Jorge, Elza Soares e outros artistas da música nacional, expõe nossas diferenças. Ao ouvi-la, lembrei-me da Copa do Brasil. A separação dos clubes classificados para as semifinais do segundo torneio mais importante do país vai além da paleta de cores dos uniformes de Grêmio, São Paulo, América-MG e Palmeiras.
Por mais que defendam a separação do esporte da política, há um jogo ideológico por trás das camisas dos candidatos ao título do mata-mata. Opiniões distintas em um país dividido. Diversidade de discursos que pode e deve ser confrontada, respeitada e jamais censurada.
Renato Gaúcho é técnico do Grêmio desde setembro de 2016. Lá se vão quatro anos e dois meses. Mais tempo do que o mandato de presidente da República. Portaluppi acumula sete títulos no cargo. Os discursos dele não se limitam às quatro linhas. O ex-atacante é engajado politicamente. Bolsonarista assumido, virou consultor do Palácio do Planalto nas discussões sobre a retomada do futebol em meio à pandemia do novo coronavírus. Em abril, disse ao Chefe do Executivo que o retorno dos treinos era inviável, mesmo diante dos protocolos.
“Não sou advogado dele, mas eu sou um cidadão brasileiro, que pago meus impostos, e sempre vou torcer pelo sucesso dele. E tenho certeza de que, se alguém vai mudar o país, é o Bolsonaro”, discursou Renato Gaúcho, em novembro do ano passado.
Adversário do Grêmio na semifinal, o São Paulo tem um ídolo com ideologia contrária à de Renato. O diretor executivo Raí é oposição. Chamou Bolsonaro de “irresponsável” quando o presidente exigiu a volta do futebol. “Se perder a governabilidade, eu torço e espero uma renúncia para evitar o processo de impeachment, que sempre é traumático”, cobrou Raí.
Time do coração de Bolsonaro, o Palmeiras aceitou a presença do então presidente eleito no gramado do Allianz Parque, na premiação do Brasileirão 2018. Ele festejou com Maurício Galliote, o técnico Luiz Felipe Scolari e o fiel escudeiro Felipe Mello. “Gosto de Bolsonaro porque é ele quem me dá esperança”, alegou o volante, em março deste ano.
Bolsonaro já surgiu vestido com a camisa do América-MG, no Palácio da Alvorada. Ganhou de presente do advogado e integrante do Conselho de Administração do clube, Anderson Racilan, que ficou orgulhoso nas redes sociais. O presidente Marcus Salum é crítico. Atacou a caducada MP do Mandante: “Canetada intempestiva e tomada da pior forma possível”.
Em meio aos Brasis da Copa do Brasil, é bom saber que o esporte venceu o medo e tem opiniões. Gostemos ou não, é preciso respeitá-las. Censurá-las, jamais, como fizeram com Carol Solberg, a jogadora do vôlei de praia levada ao tribunal por gritar “fora, Bolsonaro”. Trecho da música Brasis diz que tem “um Brasil que saca, outro que chuta”. Seja no vôlei ou no futebol, a liberdade de expressão é para todos. Tolere, debata ideias, dialogue em alto nível.
Sr. Redator
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Zumbi
Em 20 de novembro comemora-se o Dia da Consciência Negra, em homenagem à morte de Zumbi, em 20/11/1695. Tinha apenas 40 anos quando foi assassinado. Antes, comemorava-se no dia 13 de maio, dia da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Izabel. O movimento negro o substituiu pelo dia 20. Pelo movimento, a libertação dos escravos é decorrência da luta de Zumbi, e não pela assinatura da Lei Áurea, pois 90% dos escravos estavam libertos quando a lei foi assinada. O governo Dilma (2010-2014) decretou feriado nacional, mediante a Lei nº 12.519, de 10/11/2011, de autoria da senadora petista, a matogrossense Seris Slhessarenko. Mas o que Zumbi fez pela causa negra? Nasceu em 1655, na região de Pernambuco, na Serra da Barriga, hoje, União dos Palmares, em Alagoas. O Quilombo de Palmares foi criado em 1567 por Ganga Zumba, tio de Zumbi, e filho de princesa do Gongo. Mandou envenenar seu tio para assumir a liderança de Palmares. Não pense que Zumbi era contra os horrores da escravidão. Sua liderança era despótica.Tanto que os bantos, do mesmo grupo do Zumbi, estão sendo denunciados pela ONU por manterem escravos em Camarões. A despeito disso, Zumbi é considerado um grande líder no Brasil, símbolo de resistência e luta contra a escravidão, liberdade de culto, religião e pratica da cultura africana. É uma grande farsa. Cinco estados adotoram o feriado (Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Maranhão. Nem a Bahia, berço da negritude brasileira, decretou feriado. Dos 5.570 municípios, apenas cerca de mil decretaram feriado. Veja a importância da data.
» Rubens Martins, Lago Norte
Racismo
O vice-presidente Hamilton Morão superou o general Rêgo Barros como porta-voz do Palácio do Planalto e na sua capacidade de interpretar o pensamento do governo e amainar as desvairadas declarações do capitão desvairado. Ao lamentar a morte de um negro gaúcho por seguranças do Carrefour de Porto Alegre, ele negou que haja racismo no Brasil. Em que país ele está? Como ele explica os assassinatos em massa de negros brasileiros? Seriam todos bandidos e, por isso, devem ser punidos com a pena capital? A legislação brasileira não estabelece prisão perpétua nem pena de morte. Por que será que a Justiça, vez ou outra, derruba as tentativas de eliminação das cotas raciais para que negros e índios tenham acesso a direitos reservados ao não negros e não indígenas? Não acredito que um homem com a formação cultural de um general de Exército, em sã consciência, dê uma declaração como a que ele fez se não fosse por ordem do superior capitão. Não se se pode deixar passar em branco que a Fundação Palmares está sob o comando do afrodescendente mais ariano de todos os tempos, que acha que a escravidão foi um período excepcional para os negros que viviam libertos na África e “vieram” para Brasil, a convite forçado dos colonizadores, a fim de serem açoitados e torturados. De fato, o racismo é tão ficção quanto a capacidade de governar do capitão.
» Giovanna Gouveia, Águas Claras
Vacina
Amanhã há de ser
Outro dia
Não tem mais cloroquina
Vai chegar a vacina
que você não queria
e que vai nos salvar
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
» Thelma B. Oliveira, Asa Norte
Leitura
O Correio Braziliense faz muito bem em conceder este importante espaço para que os leitores possam expressar suas opiniões, ideias, críticas, sugestões, incentivos ou mesmo elogios. É um espaço democrático em que o leitor tem a excelente oportunidade de compartilhar e de se inteirar das ocorrências diárias que interessam ao cidadão deste país, muitas vezes, por textos brilhantes, que, acredito, inclusive, incentivam o bom hábito da leitura.
Vilmar Oliva de Salles, Taguatinga
Desabafo
Pode até não mudar a situação, mas altera sua disposição
Homem negro é retirado de supermercado e espancado até a morte. Isso ocorreria se ele fosse branco neste país “exemplo” de democracia racial?
Alfredo Gonzaga — Jardim Botânico
O governo Bolsonaro tem dois astronautas. Um é Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia; o outro, o vice-presidente Hamilton Mourão, que, ao negar a existência de racismo no Brasil, provou viver no “mundo da lua”.
Túllio Marco Soares Carvalho — Belo Horizonte
Eficácia 95% da vacina da covid da Pfizer confirma que existe ciência de qualidade na ponta da agulha.
José Matias-Pereira — Park Way
Da casa do espantalho, surgiu um impostor para fazer da pandemia uma espécie de olaria onde se produz perfis falsos, recheados de boatos e aleivosias.
Eriston Cartaxo — Setor Noroeste
Erramos
Ao contrário do que foi informado na edição de ontem, na editoria de Brasil (página 5), chegaram ao país 120 mil doses da vacina CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac, e não 120 milhões.