A pandemia da covid-19 colocou a saúde no mainstream, ou seja, trouxe o tema para as discussões cotidianas. O público, em geral, compreendeu a necessidade de sistemas de saúde bem estruturados para atuar sobre as doenças e promover o bem-estar da população. Isso foi evidenciado pelas discussões sobre o colapso do sistema de saúde (ou seja, quando a demanda é muito maior do que a capacidade de resposta do sistema) e o desenvolvimento de vacinas como medida de prevenção de doenças.
Recentemente, o tema saúde voltou à tona, de forma mais fervorosa, a partir da publicação do Decreto nº 10.530, promulgado em 26/10/2020 e revogado dois dias depois. Esse decreto aborda o Programa de Parcerias de Investimentos (PPIs) no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). Para alguns, isso foi entendido como uma forma de privatização de atividades de assistência à saúde. Para outros, como uma possibilidade de modernizar nosso sistema de saúde.
O debate sobre esta questão merece equilíbrio. Primeiro, a atenção básica à saúde é fundamental para um sistema de saúde efetivo. A APS serve como porta de entrada (ou gatekeeper) do sistema de saúde. Assim, ela pode atender entre 80% e 90% das necessidades de saúde da população. Os demais casos (entre 10% e 20%), de maior complexidade, devem ser encaminhados aos níveis de atenção secundária e terciária.
Isso resulta em um sistema de saúde mais eficiente e resolutivo; em outras palavras, aquele que consegue resolver os problemas de saúde da população com custos adequados. Portanto, ações que promovam inovações na atenção primária, com o objetivo de aumentar a eficiência e a resolubilidade são altamente contributivos para a sustentabilidade do sistema de saúde.
Segundo, o Decreto nº 10.530 cita a “elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde” (UBS). E especifica a finalidade desses estudos: “estruturação de projetos-pilotos”.
A interpretação ipsis litteris do texto está alinhada às práticas de inovação. Esta começa por um estudo (preferencialmente, com bases científicas), que discute a viabilidade de uma ideia. Se o estudo demonstrar que a ideia é viável (na fase de concepção), avança para a implantação de um projeto-piloto. Este possibilita experimentar novas proposições e testar a viabilidade da solução. Somente após essa comprovação, se deveria avançar para uma implantação em maior escala.
Terceiro, atualmente, algumas UBS são gerenciadas por Organizações Sociais de Saúde (OSS). Essas instituições são organizações de direito privado, sem fins lucrativos, que podem assumir o gerenciamento de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, já existe uma “privatização” das UBS, ainda que parcial. Não obstante, o decreto supracitado contempla a iniciativa privada, de maneira geral.
Nesse sentido, o debate mais adequado seria: faz sentido promover a atuação da iniciativa privada com finalidade lucrativa na atenção primária em saúde no SUS? Destacamos que essa pergunta é diferente da discussão acerca da finalidade lucrativa na assistência à saúde, uma vez que isso já ocorre na saúde suplementar.
Não temos soluções prontas, mas uma resposta a esse debate: devemos suscitar as discussões e ações que promovam a melhoria e sustentabilidade do nosso sistema de saúde. Para tanto, inovações na saúde deveriam fazer parte desta agenda: isso inclui as inovações na atenção primária à saúde, tanto no sistema público quanto privado.
Não podemos esquecer que, neste ano, a Lei nº 8.080/1990, que regulamentou o SUS, completa 30 anos. Isso implica que há um conhecimento acumulado de décadas que não pode ser deixado de lado. Ao contrário, deve ser considerado e incorporado, com equilíbrio, nas discussões sobre inovações na saúde.
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